sábado, 14 de junho de 2025

11 minutos

11 MINUTOS.

 

O painel eletrônico avisa: daqui a 11 minutos, o ônibus vai chegar. O novo sistema foi implantado pela companhia que gerencia os ônibus da cidade a pouco mais de um ano. No começo, muita gente desconfiou, achando que era mais uma  "enganação do governo", que não dava pra prever ou adivinhar quando o "busão" no trânsito "caótico" da metrópole chegaria ao ponto. Mas, como tudo na vida, o povo se acostumou, aprendeu como funciona e passou até a gostar. Então, agora a noite deve estar faltando MESMO onze minutos pro ônibus chegar e levá-la pra casa. 11 minutos. Agora nem isso, porque caiu pra 9. Tenho pouco tempo para admirá-la, para ouvir o resto da história, para me acostumar com a ideia de que esta noite de sábado está definitivamente terminada. De tarde, falávamos de todas as coisas, ríamos das coisas tolas que nos dizíamos no passado, contávamos o que tinha acontecido em nossas vidas depois daqueles anos todos, que aventuras e desventuras vivemos depois de nós. Parecia que o tempo não ia passar esta tarde, porque faltava muito para o ônibus chegar, nenhum painel eletrônico exibia a contagem regressiva para a despedida. Seis minutos. Você termina o caso do dia da viagem. Silencia. Me olha. Parece cansada. A história da tal viagem é mesmo cansativa, deve doer pra você contá-la e recontá-la. Por isso, seu silêncio agora é bom, deve ser reconfortante pra você não ter que repetir as mesmas palavras que eu já conheço tão bem. Você olha a esquina, parece que deseja que o ônibus chegue antes dos quatro minutos previstos. Deseja que o veículo seja um disco voador que a leve pra outro planeta longe daqui, desta cidade que você não deseja mais. Se eu pudesse, eu pegaria qualquer condução contigo, iria pra onde você vai, te deixaria na esquina de casa e voltaria caminhando. Mas o painel acaba de informar "aproximando". É verdade. Lá da outra esquina, vem vindo apressado o coletivo. Muitas pessoas estão indo pra casa a essa hora. Elas estão chegando dos seus dias que devem ter sido tão legais como o meu; devem estar voltando do cinema, do clube, do parque; muitas estão satisfeitas e descansadas depois de um dia inteiro no trabalho, depois de visitar os entes queridos internados num hospital; muitos trazem em suas felizes sacolas aquele objeto tão desejado, o celular novo, as roupas de marca, os alimentos, o livro novo. Estou feliz por toda gente que está indo para casa agora, exceto por você: eu não queria ver partindo. Queria que você ficasse, que esperasse o próximo (o painel anuncia que chegará em vinte e cinco minutos) e terminasse a história da prova: se Deus quiser, você vai passar no concurso da Prefeitura, daí "as coisas devem melhorar". Mas agora não dá tempo mais. A porta do ônibus já abriu, muita gente se acotovela pra entrar. Estranho estar cheio a essa hora. Você me dá o último abraço do dia, agradece de novo o presente, diz que vai "devorar o livro" hoje mesmo. Embarca. De lá de dentro, antes de girar a catraca, acena e sorri. Eu retribuo o sorriso, aceno também. Mas tudo isso é muito rápido, porque logo o ônibus se afasta, já está lá no viaduto Santa Tereza. Vou esperar o meu. Opa, está "aproximando" também.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Charlie Brown

Volta e meia eu vou postar aqui uma tirinha do meu personagem preferido dos quadrinhos: Charlie Brown, de Charles M. Schulz (1922-2000). Apesar do devastador baixo-astral que costuma afligir a alma torturada do personagem, Charlie Brown, o cabisbaixo, o tristonho, o rejeitado-mor, o coitadinho do "blockhead" (cabeça-dura) é da uma humanidade e de uma sinceridade assustadoras. Mesmo que ele seja uma negação em todo tipo de esporte, que ele não consiga sequer empinar uma pipa ou chutar a bola de beisebol (até porque a carrasca da Lucy não deixa), de ser um fracasso em termos afetivos - sua paixão pela "garotinha ruiva" jamais irá se consumar - e de ser o pior técnico do mundo, é impossível não se identificar com suas inquietações, suas perguntas sem respostas, seus dramas; Charlie Brown representa em cada um de nós a neurose do mundo cotidiano, nossos dilemas morais estão todos aqui. Trata-se mesmo de uma catarse coletiva; o amor não correspondido, a nota baixa na prova final, as derrotas seguidas no jogo de futebol, o momento crucial que vai por água abaixo por causa de uma palavra atrapalhada, o pânico que destrói a primeira e única oportunidade; Charlie Brown é a representação do nosso conflito existencial e é também a imagem das frustrações e desapontamentos pelos quais todos passamos na aventura de crescer. Mas nem tudo nessa história é depressivo ou patético. Os momentos mais divertidos e nonsense são garantidos pela presença do cão Snoopy, o beagle "quase humano" de Charlie Brown. Snoopy, também conhecido por aqui como "Xereta", é o anti-herói mais simpático do mundo dos Comics norte-americanos e, apesar ser às vezes presunçoso e arrogante.