sexta-feira, 3 de outubro de 2008

UM DIA EU VOLTO...



fonte: Hugo para Principiantes, Laerte

terça-feira, 30 de setembro de 2008

PARA BALANÇO...

O blog Menino Homem está suspenso por tempo indeterminado...talvez para sempre.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

QUATRO NOITES DE UM SONHADOR


cartaz finlandês (!) da estréia de Quatre Nuits

É a mesma história recontada de outra maneira. Histórias de amor desiludido são, na verdade, todas iguais. De novo, temos um sonhador, que imagina ter encontrado, numa noite branca de inverno, a mulher de sua vida. Ela, como em Dostoiévski e Visconti, chora a saudade por aquele "outro qualquer", que um dia partiu com a vaga promessa de que um dia voltaria para levá-la dali, da sua vida oprimida, da sua existência privada de encantamento. Mais uma vez, o sonhador se compadece do drama da sua heroína; mais uma vez, ele se apaixona por ela e espera que o tal sujeito não apareça nunca, que seja apenas um fantasma, uma alucinação. Não estamos na São Petersburgo do século XIX e nem na Livorno dos anos 50, mas nas ruas de Paris dos anos 70. Os filmes de Robert Bresson e Luchino Visconti, o conto de Dostoiévski, a peça de Yara de Novaes (com a Débora Falabella)são, como eu falei, apenas maneiras diferentes de contar uma história. Talvez o jovem artista do longa de Bresson, o vagabundo da peça, o funcionário público (é o que eu imagino que ele seja) de Visconti sejam a mesma pessoa assim como a menina que se chama Nástenka, ou Marthe, ou Nastienka ou Natália ou seja lá que nome ela tenha. É o mesmo amor, é a mesma desilusão de ver o sonho de uma vida se desvanecendo na luz da manhã, depois de quatro noites de ilusão.

Quatro Noites de um Sonhador,Quatre Nuits d'un Rêveur; direçao por Robert Bresson França,1971,87 min. com Isabelle Weingarten, Guillaume des Forêts, Maurice Monnoyer, Lidia Biondi, Patrick Jouanné, Jérôme Massart, Giorgio Maulini

Vou postar mais tarde aqui os links para baixar Quatro Noites a partir do Rapidshare. A qualidade de som e imagem é sofrível, as legendas são em inglês, mas vale como registro histórico. Espero que alguma produtora nacional lance o DVD no Brasil...)
Conforme o prometido, eis os links (já falei que a qualidade é ruim, mas dá pra curtir...)

Download Links: Quatre Nuits D'un Rêveur
(aproximadamente 420Mb, no total)

http://rapidshare.com/files/34279507/RBresson-4nuits.part1.rar
http://rapidshare.com/files/34285487/RBresson-4nuits.part2.rar
http://rapidshare.com/files/34291426/RBresson-4nuits.part3.rar
http://rapidshare.com/files/34297192/RBresson-4nuits.part4.rar
http://rapidshare.com/files/34273444/RBresson-4nuits.part5.rar

sábado, 20 de setembro de 2008

COMPASSION

Els trabalha numa grande empresa e, nas horas vagas, dedica-se a recolher donativos para campanhas de caridade nas ruas de Bruxelas. Els anda pelas ruas balançando uma caneca onde as pessoas depositam moedas. Els vê todo dia um velho remexendo no lixo, às vezes catando restos de comida. Els sente compaixão. Els acha que deve, de algum modo, ajudar o pobre senhor. Um dia, depois de ser agredido por alguns rapazes (da janela do escritório, Els assiste a tudo) o velho deixa cair um par de sapatos que encontrara numa lixeira. Els decide seguir o velho, para descobrir onde ele mora. Els vai entrar, sem saber, numa viagem sem volta.

COMPAIXÃO (Compassion,Bélgica, 2006, 20 min. Direção por Tom Geens. Com Hilde Heynen e Paul Kenens. Legendas em inglês)

On S' Embrasse? (Can We Kiss?)

Faltam dez minutos para a audição da peça. Ela precisa repassar o texto. Na cena que ela vai representar, a mulher tem que dizer que "acabou", que ela "não o ama mais", enquanto o cara só repete, perplexo, "eu não entendo, eu não entendo". Mas faltam só dez minutos. Quem é que vai ajudá-la a repassar o texto? Aquele senhor sentado só ali no canto, cabisbaixo... "Por favor, senhor, será que dá pra me ajudar? Só cinco minutinhos...preciso repassar esse texto aqui... só pra ensaiar.... O senhor faz o Paul e eu a Julie... então vamos começar:

"Acabou, Paul, eu não o amo mais".

O homem repete as falas do personagem, interpreta na expressão do rosto alguém que realmente parece estar triste pelo fim de um romance, e que realmente não entende a razão; De repente, o homem sugere à candidata à atriz: porque você não diz isso sorrindo? Ele poderia bem ser o ator daquela peça, ou quem sabe esteja vivendo, na "vida real", alguma coisa assim...

ON S'EMBRASSE (uma produção de Les Films de L'Espoir "CAN WE KISS", França, 2001, 6 min, direção por Pierre Olivier, com Alice Carel,Jean-Luc Abel, Marie Parouty. Áudio em francês, legendas em inglês)

domingo, 14 de setembro de 2008

MOYA LYUBOV (MEU AMOR) DE ALEKSANDR PETROV

É um trabalho e tanto. O russo Aleksandr Petrov pintou a mão – literalmente – os mais de trinta mil frames dessa animação. Em vez de usar pincéis, Petrov desenhou com os dedos embebidos em tinta à óleo as imagens do curta-metragem “Meu Amor” (Moya Lyubov, no título original em russo) sobre placas de vidro que depois ele fotografava. Demorou três anos para finalizar o trabalho. O curta-metragem, com 26 minutos de duração, foi indicado ao Oscar em 2008 (Petrov já ganhara o prêmio dois anos antes, por sua belíssima adaptação do romance O Velho e o Mar de Ernest Hemingway) , e nos conta a história do jovem Anton, que tem 16 anos e todas as dúvidas e anseios e desejos dessa idade. Ele divide o coração entre a paixão por uma mulher mais velha, a misteriosa e voluptuosa Seraphima, e pela empregada da casa, Pasha, pobre e analfabeta, mas linda, pura, sensível e tão jovem como ele. São imagens oníricas, de uma beleza plástica impressionante – comparada às telas de Renoir e de Paul Cézanne–acompanhada por uma belíssima trilha sonora. O roteiro, adaptado da obra “Uma História de Amor” de Ivan Shmelyov, tem um quê de Turgueniev (lembra muito “O Primeiro Amor” ) e de outros romancistas russos.
Você pode assistir ao curta em três partes no Youtube (com legendas em inglês). A qualidade do vídeo não é lá essas coisas. Eu consegui baixar no formato de DVD no Emule e incorporei legendas em português.


Parte 1 (9min30s)



Parte 2 (9min26s)



Parte 3 (8min46s)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

ENSAIO SOBRE A GEGUEIRA


Clique na imagem para ver em alta resolução


baixe o trailer em alta qualidade aqui (173Mb,requer Quicktime Player)

Ensaio Sobre a Cegueira Blindness, 2008, Canadá/Brasil/Japão, 118 min. Direção por Fernando Meireles, inspirado em "Ensaio sobre a Cegueira", obra de José Saramago (Prêmio Nobel de Literatura-1998) com roteiro adaptado por Don McKellar. Com Julianne Moore, Mark Ruffalo, Don McKellar, Alice Braga, Gael García Bernal, Danny Glover, Yusuke Iseya, Yoshino Kimura. Trilha sonora original por Marco Antônio Guimarães/UAKTI. Lançamento nos cinemas no Brasil: 12 de setembro de 2008
Assista ao trailer por enquanto. Falo sobre o filme depois que eu assistir.

Visite o site oficial (em português)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

OS FILMES

Assistir a um filme, uma interpretação imagética da fantasia e da realidade, uma representação da imaginação, a transposição da letra para a película, nunca foi para mim um mero entretenimento. Tá bom, tá bom, você vai dizer e eu sei que estou como sempre sendo radical em meus princípios. Afinal, o que é tem tem perder duas horas vendo bobagens na tela grande, só pra se divertir? Eu te explico: gosto de cinema, acho uma arte maior essa habilidade de criar a imagem para a palavra de um autor, concretizar a imaginação do roteiro, reinventar a realidade, tornar a fantasia possível, transportar-nos, por duas horas, para os nossos sonhos, tornando possível vê-los e entrar dentro deles. Assim é a experiência de um filme para mim. Eu preciso desejar ardentemente assistir a um filme, preciso esperar ansioso para que ele estreie, preciso do ritual de comprar o ingresso, sentar-me nas primeiras filas e absorver aquele momento me desligando completamente da vida lá fora. Só não quero ser confundido com esses cinéfilos chatos, que ficam debatendo a vazia questão da técnica que se sobrepõe à arte de contar uma história, que ficam discutindo essa ou aquela câmara, esse ou aquele plano, se o "travelling" coube ou não coube naquela cena. Me interessa apenas que o ator se entregue ao papel que representa, que seja o personagem, que o personagem pareça (que seja) de carne e osso, que seja real. É preciso que eu acredite que não é ficção, que não é imaginação, que depois que rolarem os créditos finais aquela pessoa continue a existir, para além da película, fora da sala escura, da tela retangular. Estou querendo dizer com isso é que um filme para mim tem que me despertar a imaginação, tenho que guardá-lo comigo como experiência por muito tempo depois de assisti-lo; preciso me apaixonar pela protagonista, preciso sentir o medo, o terror, a coragem, o amor, a dor, a força, preciso torcer pela vitória do bem contra o mal, pela reconciliação dos amigos, pela união do casal, pelo final feliz ou chorar o final triste para dizer que os 14 reais que paguei pelo ingresso foram bem empregados e as duas horas que fiquei no escuro valeram a pena.

domingo, 31 de agosto de 2008

COMO COMPORTAR-SE NO BONDE




Machado de Assis é sempre atual e atemporal. Esse "Como comportar-se no bonde" poderia ser aplicado a qualquer meio de transporte coletivo existente. Certas pessoas não tem a noção de espaço público que é o ônibus, o metrô, o avião...fazem desses ambientes uma extensão de suas vidas privadas. Portanto, a alguns parece natural e aceitável comportar-se dentro do veículo como se estivessem em casa. Até que chegue a hora de desembarcar, somos obrigados a conviver com o sujeito que se senta no banco ao lado como se estivesse numa espreguiçadeira na varanda de casa; temos que ouvir as comadres contando causos, colocando as fofocas em dia; temos que aturar a turma do colégio, a torcida comemorando o dois a zero do time. E se o cidadão está de mau humor, então? Ele acha que o mundo é culpado...o mundo, não: o motorista, o "trocador" e os demais passageiros...Um ônibus, naturalmente desconfortável, normalmente lento, obrigatoriamente confinado, deve exigir um pouco mais de tolerância de seus usuários, mais noção de ridículo e de bons modos do que em qualquer outro lugar. Não só para ceder o seu lugar para a senhora que acabou de embarcar, ou se oferecer para segurar os pacotes da senhorita que viaja de pé, mas para demonstrar civilidade e boa educação. O transporte coletivo, a opção mais democrática de se deslocar nas grandes cidades, não pode, como diz Machado "ser deixado ao puro capricho dos passageiros".

Machado de Assis (1839-1908)
"Como comportar-se no bonde"
(1883)


Ocorreu -me compor uma certas regras para uso dos que freqüentam bonds. O desenvolvimento que tem sido entre nós esse meio de locomoção, essencialmente democrático! exige que ele não seja deixado ao puro capricho dos passageiros. Não posso dar aqui mais do que alguns extratos do meu trabalho; basta saber que tem nada menos de setenta artigos. Vão apenas dez.

Art. I - Dos encatarroados

Os encatarroados podem entrar nos bonds com a condição de não tossirem mais de três vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro.

Quando a tosse for tão teimosa, que não permita esta limitação, os encatarroados têm dois alvitres: -ou irem a pé, que é bom exercício, ou meterem-se na cama. Também podem ir tossir para o diabo que os carregue.

Os encatarroados que estiverem nas extremidades dos bancos, devem escarrar para o lado da rua, em vez de o fazerem no próprio bond, salvo caso de aposta, preceito religioso ou maçônico, vocação, etc., etc.

Art. II - Da posição das pernas

As pernas devem trazer-se.de modo que não constranjam os passageiros do mesmo banco. Não se proíbem formalmente as pernas abertas, mas com a condição de pagar os outros lugares, e fazê-los ocupar por meninas pobres ou viúvas desvalidas, mediante uma pequena gratificação.

Art. III - Da leitura dos jornais

Cada vez que um passageiro abrir a folha que estiver lendo, terá o cuidado de não roçar as ventas dos vizinhos, nem levar-lhes os chapéus. Também não é bonito encostá-los no passageiro da frente.

Art. IV - Dos quebra-queixos

É permitido o uso dos quebra-queixos em duas circunstâncias: a primeira quando não for ninguém no bond, e a segunda ao descer.

Art. V - Dos amoladores

Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência, se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar-se-lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés. Sendo provável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve imediatamente pespegá-los. No caso, aliás extraordinário e quase absurdo, de que o passageiro prefira a narração, o proponente deve fazê-lo minuciosamente, carregando muito nas circunstâncias mais triviais, repelindo os ditos, .pisando e repisando as coisas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra.

Art. VI - Dos perdigotos

Reserva-se o banco da frente para a emissão dos perdigotos, salvo nas ocasiões em que a chuva obriga a mudar a posição do banco. Também podem emitir-se na plataforma de trás, indo o passageiro ao pé do condutor, e a cara para a rua.

Art. VII - Das conversas

Quando duas pessoas, sentadas a distância; quiserem dizer alguma coisa em voz alta, terão cuidado de não gastar mais de quinze ou vinte palavras, e, em todo caso, sem alusões maliciosas, principalmente se houver senhoras.

Art. VIII - Das pessoas com morrinha

As pessoas com morrinha podem participar do bonds indiretamente: ficando na calçada, e vendo-os passar de um lado para outro. Será melhor que morem em rua por onde eles passem, porque então podem vê-lo mesmo da janela

Art. IX - Da passagem às senhoras

Quando alguma senhora entrar o passageiro da ponta deve levantar-se e dar passagem, não só porque é incômodo para ele ficar sentado, apertando as pernas como porque é uma grande má-criação.

4 de julho de 1883

sábado, 23 de agosto de 2008

CARTA AO AMIGO JOÃO*

Meu caro amigo João. Agora que seus olhos são de outra pessoa, não sei dizer se talvez eles olhem o mundo como você olhava até quarta-feira passada. Não vou julgar o seu ato desesperado de fechar de vez os olhos ao mundo, aquele mundo transtornado em que você viveu até quarta-feira. Aquele mundo que te olhava com desprezo, aqueles olhos verdes que não lhe devolviam o olhar terno e apaixonado com que você a olhava. Lembro-me bem como você parecia sereno naquele dia. Não vi - não olhei direito - que alguma coisa estranha estava por acontecer: você soube muito bem esconder a aflição que sentia. Quando te vi pela última vez, meu caro amigo, você sorriu, mas não aquele sorriso de quem está de bem com a vida, aquele sorriso que mostra os dentes -escovados com cuidado minutos antes do acontecido - mas um sorriso quase conformado, um sorriso de quem se despede sem saber se volta, sem ter certeza se quer mesmo ir. Um sorriso triste. Não vou julgar -já te disse isso - a sua motivação, não tenho o direito de questionar os seus sentimentos, condená-lo por seu ato extremo mais do que os outros já te condenaram, mais do que aqueles que o julgaram sem conhecê-lo direito, sem conhecer suas motivações, sem respeitar os seus sentimentos. Não sou juiz, nem advogado, nem especialista em matéria das motivações humanas. Eu sou seu amigo e - apesar de não entender o seu propósito de ir embora assim tão de repente e de deixar os mais próximos um tanto quanto aturdidos e perplexos - posso apenas agora desejar que, seja para onde você tenha ido, que a vida (se existir vida nesse lugar para onde você foi)seja melhor que a deste mundo. Que lá não existam olhares de reprovação e de condenação, que não existam olhos verdes e peles claras para te atormentar e humilhar, que lá você encontre a paz. Vá com Deus.

* O ex-estudante universitário João Luciano Ferreira Jr, 39, paraplégico em razão de um acidente, invadiu na quarta-feira passada (20/08) uma sala de aula da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, na região da Pampulha, em Belo Horizonte e manteve a professora Polyana Arantes, 25, sob a mira de um revólver calibre 32. Após exigir a saída dos alunos, João, que era apaixonado por Polyana, deu dois tiros contra a professora, sem acertar. Logo depois, ele atirou em si mesmo. João morreu dois dias depois em um hospital da cidade. A família autorizou a doação das córneas do rapaz.

VENDEDORES

Você precisa de quê hoje? Dê uma olhada nos seus sapatos. Você não acha que está na hora de trocá-los? Sabe aquele livro que você quer ler faz muito tempo e não está encontrando em lugar nenhum? A sua namorada faz aniversário hoje e você está pensando em comprar um belo buquê de rosas para ela? Seja qual for a sua situação, toda vez que você tem que ir a uma loja comprar algo de que você precisa, algo que você deseja, a primeira pessoa com quem você precisa conversar é com o vendedor. Muitos consideram esse profissional como um mal necessário para a vida moderna: muita gente acha que o vendedor é um mero serviçal, que não entende e não ama a sua profissão, talvez por ganhar pouco, trabalhar muito e ter que disputar com os colegas cliente por cliente. Mas e se você se deparar um dia, numa pequena sapataria do bairro, com um vendedor que olha para os seus pés e sabe exatamente o número do seu sapato? E se você for a floricultura e a vendedora te ajudar, com carinho e simpatia (não aquele tipo de simpatia forçada, aquele "sorriso de aeromoça") a escolher o melhor arranjo para enternecer o coração da sua amada? E se você encontrar um livreiro que, além de conhecer tudo da profissão, o ajude a encontrar aquele livro tão sonhado? A diferença entre ser bem atendido numa loja está em encontrar essas pessoas que ainda dominam os segredos, as sutilezas, a sensibilidade do seu ofício. Qualidades tão em falta no mercado. Os filmes a seguir mostram que ainda existem vendedores assim.

ÍMPAR PAR
(Brasil,2005,17 min, Direção por Esmir Filho. Com Adriana Seiffert, Alvise Camozzi, Imara Reis, José Rubens Chachá, Sarah Oliveira)

ÍMPAR PAR

FLORES PRA VOCÊ
(Brasil,2005,16 min. Direção por João Peixoto; com Vanessa Medeiros

FLORES PRA VOCÊ


É PRA PRESENTE

(Brasil, 2006, 15 min. Direção por Camila Gonzatto. Com Sissi Venturin, Tadeu Liesenfeld, Luiz Paulo Vasconcelos, Felipe de Paula, Roberta Savian,Daniel Bacchieri)
Prêmio Histórias Curtas RBS TV 2006


quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Publique-se

Hoje, 21 de agosto, a empresa onde eu trabalho, por meio da gerência de comunicação, publicou nos murais de avisos dos prédios da sede alguns poemas meus. É um bom começo, não acham?

O BOM FILHO A CASA TORNA

Finalmente, depois de protelar por muito tempo, hoje cedo eu decidi voltar a Faculdade de Letras da UFMG, onde passei dez dos meus quase quarenta de idade. Uma parte desse tempo como estudante e, depois de abandonar o curso de Jornalismo, como "pau para toda obra" do Diretório Acadêmico da faculdade. Ali eu fazia de tudo um pouco, desde o café mais disputado da universidade - era de graça - até ser confidente das pessoas. E isso tudo incluia coisas de tipo receber recados, guardar e devolver objetos perdidos e achados, organizar festas (eu não ia às festas que eu ajudava a organizar), promover excursões e viagens, aturar estudantes chatos, bater altos papos filosóficos, ficar sem fazer nada etc. Eu era estimado por todos - quase todos -, todos contavam comigo, sabiam que eu estava ali para ajudar em qualquer situação, e eu me sentia alguém importante. Bom saber que a gente deixa um lugar, volta a ele depois de muito tempo e ainda há pessoas que se lembram de você, sentem a sua falta e dizem que você era necessário, que a sua presença era agradável, que o simples fato de você existir era essencial. Vou voltar lá mais vezes e com mais freqüência, para não perder o vínculo com aquele lugar. Foi bom ter partido para ver outros lugares, para ampliar a visão das coisas, mas é sempre bom voltar.

domingo, 17 de agosto de 2008

HISTORINHAS CURTAS

Condensar a história de um ano em poucas palavras. Vir e dizer tudo, em algumas cenas.O curta-metragem, um rápido olhar que a tudo vê, que não precisa de explicar tudo para se fazer entender. Assisti a vários deles hoje o dia todo. Conheci várias histórias, tanta gente por quem me afeiçoei. Apesar de saber de antemão que era ficção. A Alice, aquela que voltou de Londres para se perder em São Paulo, não existe. O garotinho que se fantasia de sapo para contracenar com a garota de seus sonhos no teatrinho da escola,também não. Mas suas histórias existem. Elas, as histórias de nossas vidas, existem sim. Porque todo mundo sente saudade de alguém, ninguém gosta de ligar para o amor de sua vida e ouvir "deixe o seu recado ou ligue depois"; ninguém gosta de virar São Paulo ou Belo Horizonte ao avesso para não encontrá-la, para deixar de vê-la; ninguém quer ficar sozinho, apenas imaginando onde o outro pode estar nesse exato momento, e com quem, e fazendo sei lá o quê com alguém. Pior ainda é implorar, pelo telefone, pelas ondas de rádio, pela internet, por cartas e mais cartas dilaceradas para que ela volte pro lugar de onde não deveria ter partido. Por isso, cada fragmento da vida cotidiana, contado em em curta-metragem, é a história da minha, da sua, da nossa vida. Apenas os personagens é que são de ficção, vieram da imaginação de um roteirista e de um diretor. Coloco aqui os links para essas histórias, para você, caro leitor, poder concordar comigo.


ALICE
(Brasil,2005, 15 min. Direção por Rafael Gomes. Com Fernando Alves Pinto e Simone Spoladore)
Alice

O SAPO
(Brasil, 2006, 18 min. Direção por Adolfo Sarkis. Felipe Latgé,
Isabela D´Lamare e Ernesto Picollo.
O Sapo

ÁTIMO
(Brasil,1997, 30 min. Direção por Romeu di Sessa. Com Lui Strassburger e Mayara Magri)
Átimo

ONDE QUER QUE VOCÊ ESTEJA
(Brasil, 2003, Direção por Bel Bechara e Sandro Serpa. Com Débora Duboc, Leonardo Medeiros, Robson Emílio)
Onde quer que Você Esteja

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

MAIS UMA

A terceira delas
foi embora naquela hora
E eu continuei na cidade
Andando à toa
Pensei comigo: terceira e última.

DOIS MENOS DOIS

Dois menos dois é zero. Dois menos um é zero. Um mais um é um. Não sobra nada de mim se você não se soma comigo. Eu multiplicado pela falta que eu sinto sou nulo.

(Curta-metragem "Dois menos Dois", Brasil, 2007, 5 min. Direção de Clarice Falcão e Célio Porto. Trilha sonora: "Sprout and the Bean" por Joanna Newsom)

domingo, 10 de agosto de 2008

FICÇÃO: CAFÉ DA MANHÃ

(versão preliminar. Sujeita a alterações. Ou a ser descartada) Inspirado no poema "Café da manhã", de Jacques Prévert (1900-1977). Leia a tradução do poema por Silviano Santiago. Vou tentar postar aqui o curta argentino "Desayuno" e a canção "Café da Manhã" de Vítor Ramil, também inspirados na obra de Prévert.

CAFÉ DA MANHÃ

Brigamos ontem. Pretexto: ciúme. Motivo real: o amor não veio, quando nos mudamos para viver juntos. Brigamos e agora você não me olha e nada me diz. Como se não me quisesses mais, como se isso fosse mesmo verdade. Você pega a xícara de café que eu preparei mais cedo, porque eu não dormi. Você sim, dormiu como uma criança. Velei teu sono e, em teu sono, você me pediu desculpas. Você fala muito durante os sonhos, e muitas vezes conta segredos escabrosos. Sei de tudo mas não vou te dizer que eu sei. Afinal, você não está falando comigo. Você pega a xícara, derrama dentro dela o café, mexe com a colherzinha e toma despreocupadamente as minhas lágrimas misturadas com açúcar e com afeto. Das notícias do jornal, você folheia distraída os episódios do dia anterior, sem se recordar que ontem nós brigamos por causa daquela outra. Não te interessam mais as minhas novidades, não ficaste sabendo que meus versos foram publicados naquela revista da faculdade, porque antes de eu te contar você cismou que fulana tinha me paquerado na mesa do bar e deu seu espetáculo. Desde ontem você cismou de não me olhar e não me falar. Mordes o pão com manteiga e eu como o pão que o Diabo não quis comer. Seu desjejum é frugal e eu morto de fome de você. Você me deixa faminto quando se levanta, veste a capa de chuva e sai. Sem me ver e sem me falar. Enquanto isso, me deixas aqui chorando.
Até mais tarde. Vou esperar você com o jantar.


Jacques Prévert (1900-1977)
CAFÉ DA MANHÃ
Tradução por Silviano Santiago

Pôs café na xícara Pôs leite na xícara com café Pôs açúcar no café com leite Com a colherzinha mexeu Bebeu o café com leite E pôs a xícara no pires Sem me falar acendeu um cigarro Fez círculos com a fumaça Pôs as cinzas no cinzeiro Sem me falar Sem me olhar Levantou-se Pôs o chapéu na cabeça Vestiu a capa de chuva porque chovia E saiu debaixo de chuva Sem uma palavra Sem me olhar Quanto a mim pus a cabeça entre as mãos E chorei.

DÉJEUNER DU MATIN Il a mis le café/ Dans la tasse/ Il a mis le lait/ Dans la tasse de café/ Il a mis le sucre/ Dans le café au lait / Avec le petit cuiller/ Il a tourné/ Il a bu le café au lait/ Et il a resposé la tasse/ Sans me parler/ Il a alumé/ Une cigarrette/ Il a fait des ronds/ Avec la fumée/ Il a mis des cendres/ Dans le cendrier/ Sans me parler/ Sans me regarder/ Il s'est levé/ Il a mis/ Son chapeau sur la tête/ Il a mis/ Son manteau de pluie/ Parce qu'il pleuvait/ Il est parti/ Sous la pluie/ Sans une parole/ Sans me regarder / E moi j'ai pris/ Ma tête dans ma main/ E j'ai pleure.

DESAYUNO Director: Ezequiel Gaitan/Luis Fanti Fecha de realización: 1/1/2006 Duración: 08:00 Minutos Productor: Ezequiel Gaitan/Luis Fanti Protagonistas: Juan Manuel Rodriguez Vida/Denese Trautman Edición: Ezequiel Gaitan/Luis Fanti Guión: Ezequiel Gaitan/Luis Fanti Sonido: Ezequiel Gaitan/Luis Fanti Nacionalidad: Argentina

YO TAMBÍEN TE QUIERO

"Eu só te quero como amigo". Quem já não escutou essa fala da mais linda voz do mundo, da forma mais delicada e mais gentil? Nesse divertido, romântico e sensível curta-metragem mexicano, o ótimo ator Miguel Rodarte vive Luiz, apaixonado desde sempre pela sua linda amiga Tania. Ele nunca teve a coragem de se declarar a ela, suportando calado o papel de confidente e melhor amigo da garota.

Yo Tambíen te Quiero (México, 2005, 10 min, cor)
Direção por Jack Zagha Kababie com Miguel Rodarte, Adriana Louvier, Emilio Guerrero, Candela dos Santos

Assista ao curta-metragem no Youtube.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

FERNANDO PESSOA EM ESPANHOL

Aí está uma verdadeira preciosidade! Quase toda a obra de Fernando Pessoa e seus heterônimos em edição bilingüe, em português e em espanhol. É um exvcelente material para os estudiosos da língua de Cervantes e Neruda. Com um recurso de procurar palavras dentro dos textos. Por exemplo, se você quiser saber todas as vezes que Pessoa escreveu a palavra "amor" é só digitá-la no campo de busca. O link é o

www.fpessoa.com.ar (CTRL+C, CRTL+V no seu browser)

terça-feira, 5 de agosto de 2008

NERUDA

Não tenho postado nada de Pablo Neruda, meu poeta favorito. Eventos recentes me levaram a relê-lo em seus "Cem Sonetos de Amor". Busquei na imortal obra do poeta chileno um pouco da inspiração que me faltou, de como parece fácil para ele falar de amor à mulher amada, de como é simples e suave amar uma mulher. Posto aqui um desses sonetos, em sua versão original e na tradução impecável de Carlos Nejar. Essas palavras dizem, em espanhol e em português, tudo o que eu deveria ter dito.


PABLO NERUDA
(RICARDO NEFTÁLI REYES, 1904-1973)

CEM SONETOS DE AMOR (1959)

Soneto XLV

No estés lejos de mí un solo día, porque cómo,
porque, no sé decirlo, es largo el día,
y te estaré esperando como en las estaciones
cuando en alguna parte se durmieron los trenes.

No te vayas por una hora porque entonces
en esa hora se juntan las gotas del desvelo
y tal vez todo el humo que anda buscando casa
venga a matar aún mi corazón perdido.

Ay que no se quebrante tu silueta en la arena,
ay que no vuelen tus párpados en la ausencia:
no te vayas por un minuto, bienamada,

porque en ese minuto te habrás ido tan lejos
que yo cruzaré toda la tierra preguntando
si volverás o si me dejarás muriendo.

Tradução por Carlos Nejar

Soneto XLV

NÃO ESTEJAS longe de mim um só dia, porque como,
porque, não sei dizê-lo, é comprido o dia,
e te estarei esperando como nas estações
quando em alguma parte dormitaram os trens.

Não te vás por uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas do desvelo
e talvez toda a fumaça que anda buscando casa
venha matar ainda meu coração perdido.

Ai que não se quebrante tua silhueta na areia,
ai que não voem tuas pálpebras na ausência:
não te vás por um minuto, bem-amada,

porque nesse minuto terás ido tão longe
que eu cruzarei toda a terra perguntando
se voltarás ou se me deixarás morrendo.

O OUTONO DO ANO PASSADO

É mentira dizer que não te espero:
É a vida que me disse isso, agora à tarde
Todas as coisas de que me lembro trazem um nome impresso
A cena de um livro a ser escrito
O vento que carrega as folhas secas
E leva uma palavra ao pensamento;
É inútil para mim, a esta altura
Desejar o esquecimento
Tudo na história traz um rosto antigo
Que ri no retrato:
Uma lágrima desce a minha face.
No outono do ano passado, num dia cinzento como hoje mais cedo
Eu te via como no sonho eu vejo agora, tão tranqüila
Caminhando em silêncio, pensando na vida
De vez em quando me olhava
De vez em quando sorria
E eu nunca dizia que te amava.

O ATO EM SI

Isto que não está neste momento
E que no exato instante não acontece
dado como perdido
considerado ausente
Está contido no gesto
No que não se vê
E é a causa de tudo o que tem sido
Isto que não é o ato
Propriamente dito
Está em tudo o que parece não ser:
E é.

O NARCISO CEGO

Vieste no escuro, pois eu te senti
Perturbando de noite o meu sossego
Não te reconheci no meu olhar, até me repetir
no seu alheamento
Custei a acreditar
Quis até fugir com medo
Mas tiveste braços tão suaves
que eu me rendi
Vieste no ar, sem me dizer,
Só fui notar quando já estava preso
Chegaste em segredo, eu vi,
E mesmo assim eu fiquei surpreso
Roubaste a chave da minha casa
Que eu pensava que havia perdido
Entraste em minha vida em silêncio:

O espelho mais belo que eu já tinha visto.

domingo, 3 de agosto de 2008

QUEM É MESMO O ANIMAL?

Hoje à tarde eu vinha caminhando, como costumo sempre fazer, desde o centro da cidade até em casa, distante poucos minutos da Praça Sete de Setembro, se quiserem uma referência. Ao ganhar a rua Tenente Anastácio de Moura, quase chegando em casa, me deparei com uma cena tocante: um velhíssimo cão bem no meio da rua, prestes a ser atropelado pelos automóveis e ônibus que iam e vinham indiferentes. O cão era tão velho - não parecia ter raça definida e aparentava não enxergar muito bem - que quase não conseguia mais caminhar, arrastando-se com extrema dificuldade; tentei tocá-lo de volta para a calçada, cheguei até mesmo a carregá-lo, mas não teve jeito: deixei-o num canto, a sua própria sorte, para que ele, enfim, morresse à mingua. Certamente alguém deve ter feito isso antes de mim. O dono, provavelmente, não queria mais o estorvo de um cão velho, cego e doente em casa, e optou pela solução final: abandoná-lo no meio da rua. Já se falou muito em "posse responsável" de animais domésticos. Bichos abandonados nas ruas podem inclusive transmitir doenças graves como a Leishmaniose. Não significa que cão deva merecer tratamento "de gente": posse responsável é tratar o animal com carinho, alimentação saudável, vacinas em dia e higiene. É não deixá-lo à míngua quando a idade avançada chega, quando o pêlo perde o viço, quando ele já não consegue mais latir de contentamento quando o dono chega em casa. Os caras que bebiam num bar na esquina até riram de mim por causa da minha compaixão com aquele ser vivo largado na rua. Alguns transeuntes até chegaram a se solidarizar com a causa do cão, mas logo seguiam o seu caminho, provavelmente sem dar muita importância ao fato. Gosto de cães, embora não tenha nenhum a meus cuidados. Os considero os animais mais nobres e leais e, mesmo os vira-latas vagando a esmo pela rua têm uma certa dignidade, um certo brilho nos olhos, uma resignação com o seu destino errante que comove. Aquele cão ficou lá na Tenente Anastácio. Não sei mais o que é dele, se ainda vive ou se foi colhido por um auto apressado. Talvez ele seja capturado pela Zoonoses e será sacrificado em uma câmara de gás no Canil Municipal. Destino indigno para o chamado "melhor amigo do homem"

IMPREVISTO ACASO

Porque estou acostumado
Espero me surpreender -
Tem sido incerto,
Mais do que improvável:
E é por isso mesmo que acredito
E quem há de me contradizer
Se eu não duvido?
É de se supor
Que algo de imprevisível
Há de acontecer;
Via de regra é assim que deve ser:
O que não se espera
Pode aparecer
E será bem vindo.

ARMISTÍCIO

Sim, eu me declaro vencido
Agora sou teu por inteiro
Seus exércitos tomaram as ruas da minha vida
E me levaram os medos
Todos os meus irmãos que estavam presos
Na cadeia do meu porão
Agora estão livres
Meus erros que me condenavam ao degredo
Graças a tua compaixão
Foram perdoados
Sim, minha rainha, estou deposto da minha tirania
contra os meus desejos
Agora rendido eu posso confessar meu segredo
Um sentimento bonito desde sempre guardado
A sete chaves.

sábado, 26 de julho de 2008

A LEI É SECA, MAS É A LEI (2)



Charge de Quinho (para o caderno de veículos do "Estado de Minas")

Tem um mito no Brasil que algumas leis "pegam" e que outras "não pegam". Essa pegou. Infelizmente, é necessário muito sofrimento, muita morte, muita mutilação para as pessoas se conscientizarem da arma poderosa para matar que é o automóvel na mão de quem não tem preparo psicológico para dirigir, e ainda por cima está com o equiíbrio químico alterado pelo álcool. Todas as notícias recentes dão conta de que houve uma redução drástica no número dos atendimentos de urgência nos pronto-socorros em todo o país. A redução desses índices revelou que a maioria dos acidentes graves no trânsito é provocada por motoristas embriagados. Em alguns estados, essa redução chegou a mais de 50%, e está sendo comemorada por todos os profissionais de saúde como um fato inédito e salutar. Mas todos nós temos motivos para comemorar, brindar(com água ou refrigerante)uma grande vitória contra os motoristas irresponsáveis que agora, apenas com a ameaça de ser atingidos na parte mais sensível de sua anatomia - o bolso - é que se viram forçados a abandonar seus hábitos, pensando menos em si mesmos e mais no perigo a que submetem aos outros. Há quem aponte o fato de que a redução da venda de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes está provocando um colapso nesse mercado, levando inclusive às demissões. Mas quem diz que quem vai ao bar ou a um restaurante com os amigos ou familiares é obrigado - por imposição cultural ou por qualquer outra razão - a beber, a se embebedar? Alguns estabelecimentos estão oferecendo descontos e vantagens para os sóbrios e outros oferecem até carona para aqueles que optaram deixar o carro em casa. As empresas de gerenciamento de trânsito e de transporte urbano estão reforçando as viagens de ônibus durante a noite e de madrugada, e os táxis estão faturando mais com os clientes bebuns. Não se está combatendo - como muita gente pensa - o direito de você, cidadão, comemorar a vida com as pessoas que você ama tomando mais umas e mais outras - o que se pretende, proibindo que você, cidadão, assuma o volante do seu carro depois dessas "mais umas e mais outras" é evitar que a vida dessas pessoas que você ama - e a vida de quem você nem conhece - seja exposta ao risco.

SER UM ATOR DE MIM MESMO

Se eu fosse ator
Seria farsesco
Um herói romântico e antigo
Seria Romeu ou Narciso
E nunca um vilão
Se eu fosse ator
Seria um bufão
Para a platéia rir do espetáculo ridículo
Seria o palhaço que entraria na gaiola do leão
para ser engraçado.
Seria um ator para fingir o que não sinto
Para ser outra pessoa por um tempo
Representar uma vida diferente em cada palco.

DESVARIO

Falei bobagem:
porque disse o que eu sentia
Justamente quando o recomendado
é mentir
E se pintar com tintas coloridas
Disfarçando o tosco e o feio
de si
Fui ousado
por dizer a verdade
Principalmente num mundo em que
o falso é o verdadeiro
ao contrário e
As aparências não enganam
ao espelho
Fiz besteira de entregar o coração
de contar o segredo
de dar a mão:

Mas não me arrependo.

DARIA UM LIVRO?

Quem sabe se minhas palavras toscas devem ser escritas para muitas pessoas? Será que elas cabem impressas em papel bonito, nas estantes junto com outros livros, ao lado dos poetas e dos cronistas? Ela me diz que eu deveria escrever um livro. Eu não sei se deveria fazer isso. Seria uma entrega voluntária, uma temeridade colocar o meu coração na praça, e à venda. Os escritores de verdade têm essa coragem: tudo o que pensam e sentem viram poesia, prosa, drama e comédia. Será que sou mesmo escritor? E, sobretudo, quanto as minhas emoções, sentimentos e segredos vão custar? é, necessário, porém, perder esse medo de ver as próprias palavras reproduzidas em exemplares iguais. É difícil entrar para esse clube, o dos escritores publicados - não quero dizer dos aclamados e premiados, ou daqueles que só foram reconhecidos pós-morte, quando o reconhecimento já não rende mais dividendos ao autor. Como fazer para imprimir alguns exemplares da minha obra incompleta e inconsistente, como agradar ao "público" e à "crítica"? Já sei que algumas pessoas mais queridas - ou mais generosas - gostam das minhas letras, algumas até acompanharam a evolução da minha escrita e elogiam a minha "qualidade literária". Delas eu já tenho esse reconhecimento e essa recomendação, delas eu já tenho o que um escritor precisa e persegue: ser a voz que lhes fala ao coração,e lhes impressiona a sensibilidade. Preciso de fato ampliar essa rede de condescendentes leitores e "apreciadores"?
Sim, preciso.

terça-feira, 22 de julho de 2008

LEVEZA

Leve, leve...
me leve embora
tão leve quanto o vento
Ou então seja mais breve
ou fique um pouco mais longe.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

TALVEZ UMA CARTA

Cumpra-se o seu papel de mensageira:
Que a distância não me permite vê-la
Só me deixa tocá-la com o pensamento
Leva o meu silêncio embora para ela
Vai e procura onde ela mora agora
Pergunta por ela aos que a conhecem
E ao chegar, deixa que ela leia a mensagem
Não erre o endereço do meu destino
E não se perca no caminho

Este é o trabalho das cartas:
Dizer mais de uma vez o que uma vez foi escrito
Sempre com as mesmas palavras.

ARTE BARROCA

Estas são minhas confusas minúcias:
Concentre sua atenção nos detalhes
E mal disfarçadas sutilezas
Terás assim um quadro do exagero
De cores saturadas e vivas
Eis a tua frente o excesso
O escândalo das emoções incontidas
E a explosão de fogos de artifício
Na noite escurecida
Todo o meu teatro é uma tragicomédia:
Cômica e ridícula.

domingo, 20 de julho de 2008

LENÇÓIS BRANCOS

Meus fantasmas não precisam de exorcismo
Nem de reza, fantasma que é bom e que se preza
é coisa de criança
Fora disso é só um pano branco,
um lençol
Fantasma que é fantasma não gosta de sol
E meu olhar é muito mais que isso
Meus medos são de meia tigela
Meus vilões são só uns canastrões de novela
Não me metem medo algum
Só são ridículos
E meus inimigos - todo mundo tem ao menos um
São todos uns bobos.

A ciência do exagero

Pode ser que eu seja exagerado, sim. Exagerado e egocêntrico, vá lá. Chamei-me de "barroco" pela comparação com esse estilo de arte que prima pela profusão de detalhes, pelo paroxismo das formas e das cores, não raro tendendo para o excesso; sim, sou este excesso, esse extremo, essa confusão de detalhes contraditórios. Sou idiossincrático até o limite, além do razoável, mas no fundo, no fundo, sou uma boa pessoa. Tudo o que eu digo nasce no coração, não espero ser banal e superficial no que digo, dizendo sem pensar e sem considerar. Entretanto, não há cálculo ou fórmula nas minhas palavras, então não há dose: às vezes sai de mim um discurso cheio de palavras, às vezes fico todo em silêncio, porque simplesmente não tenho (ou não me resta) mais o que dizer. Não se diga, pórem, que meu modo de me expressar carece de autenticidade e de valor, que é uma maneira artificial e inventada de falar. Se é a "escrita do coração" não pode deixar de ser visceral como é - o coração nada mais é do que uma víscera - não tem como ser simplemente mais amena e mais banal. Tem que contar a profundidade, não pode pairar docemente na superfície. Tem que não ter pudor ou vergonha de se expor, de se desnudar, às vezes mostrando a feíura sobre a tinta fresca, os bastidores, o esqueleto das formas. É isso não é uma tarefa fácil. Necessária é a coragem, confundida freqüentemente com estupidez; indispensável é desconhecer que existem limites e normas, mesmo as da gramática; é necessário, sobretudo, não conhecer muito bem a seara que se está desbravando, para que a surpresa e o encantamento do novo seja a inspiração, para que o frio no sangue seja o impulso motivador, para que se saiba que há algo de estranho a ser esclarecido e revelado. Se isso é ridículo ou estúpido, eu sou essas duas coisas. Mas é de coração.

--

ESTÁ POR SE DIZER

Não é possível rever o que foi dito:
Não com as mesmas palavras
Recuperar o tempo perdido?
Nem isso...
Não na mesma vida
Então, assim, prossiga
Diga o que for necessário
Fale tudo do teu sentimento
Ainda que a palavra
Tão pequena
Seja levada pelo vento.

I Know the Feeling

Sei muito bem o que você quer dizer com isso:
Também já me apaixonei
Eu também já caí no chão e não me levantei:
Ela não me deu a mão.

Compreendo perfeitamente teu coração –
È que o meu também não tem explicação
Como o teu

Sim, eu sei,
Já tive essa mesma impressão
De que o mundo inteiro sumiu de repente
Sem sequer um convite ou um aviso
Houve uma implosão

Depois, ela acalmou tudo com um sorriso.

A DESCONHECIDA



A DESCONHECIDA (La Sconosciuta), Itália, 2006, 118min
Direção por Giuseppe Tornatore, com Kseniya Rappoport, Michele Placido, Claudia Gerini, Pierfrancesco Favino, Piera Degli Esposti, Clara Dossena, Alessandro Haber; música por Ennio Morricone. Candidato oficial da Itália ao Oscar 2008 - Melhor Filme Estrangeiro. Disponível em DVD.



Quem é Irena? E, acima de tudo, contra quem e porque ela se insurge? Reagir à queda, ao caos, à fúria de todos e de todas as coisas é sua obcessão. Por isso, ela não vê obstáculos à sua busca frenética daquilo que a prende à vida: alguns eventos trágicos - e um tanto mais dos seus próprios erros e escolhas - a desviaram das coisas e das pessoas a quem amava no passado. E no seu caminho, os obstáculos são a família Adacher, ourives ricos para quem trabalha como doméstica. O que ela procura vasculhando os guardados daquela família enquanto não estão em casa, porque ela se esforça tanto para conquistar a confiança e a lealdade da mimada garotinha Tea, filha do casal Adacher? Porque ela se sente perseguida, ameaçada, assombrada por monstros, demônios e fantasmas? Porque ela vigia cada passo dos seus patrões, e mesmo antecipa alguns desses passos, para preparar o terreno de seus estratagemas? Quem é esta mulher, de onde ela veio, que ódio e rancor ela guarda no coração e que deixa transparecer nos seus belos e tristes olhos verdes? Conheça a Desconhecida. Tente se compadecer da sua situação, deixe que ela entre e se apresente para morar e trabalhar em sua casa. Mas tranque bem os seus segredos, se de alguma forma você suspeitar que estes estão relacionados aos dela.

Assista a um trailer no Youtube:

sábado, 19 de julho de 2008

A DESCONHECIDA ÍNTIMA

De repente o céu não era este pintado em um quadro renascentista
E o luar era apenas a luz do sol noturno
Cai na real: a musa do poeta medieval era uma mulher apenas
Não era o sonho diurno do homem comum
Mas uma dentre todas da cidade que não é parecida com nenhuma outra desconhecida
E é original por ser apenas ela
Sem arroubos, sem fetiches, sem novelas
Simples e sincera
Sem pintura
Isenta de artifícios
E indiretas.

PALAVRA DITA

(sobre a arte - ou o artifício - da escrita)

Dizes o que não sentes:
Inventes notícias
Crie metáforas com as linhas
Diga as maiores mentiras com ares
de verdades
Conte histórias apenas acontecidas
na imaginação
Com uma palavra
Ou um palavrão
Cale o que sentes no coração.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A LEI É SECA, MAS É A LEI


(charge de Duke, publicada em "O Tempo")

Toda hora sai alguma notícia sobre um ridículo episódio envolvendo o ato de beber e pegar no volante. São motoristas que mal conseguem se manter de pé, de entabular uma conversação inteligível com o agente os que estão nas ruas por aí, nesse exato momento em que escrevo, noite de sexta-feira, noite de "congestionamento", nos bares, nas lojas de (in)conveniência dos postos de gasolina, onde a galera costuma se reunir para se abastecer de latas e garrafas, além dos tanques dos seus possantes. A lei está sendo criticada até pelos mais renomados juristas, pela sua draconiana impiedade a mínima dose, ao mínimo gole. Mas, ora vejam senhores: quem, dentre os que apreciam a "água que passarinho não bebe", a "loira gelada" fica apenas no primeiro gole, se contenta com uma única dose? Se é indíce de "macheza" beber mais do que os outros, se o álcool generosamente distribuído e consumido em larga escala "faz parte" das reuniões sociais, das festinhas da turma, das baladas com a galera, da happy-hour com os colegas do escritório? A Lei, por mais rigída que seja, é sábia em proibir que se dê liberdade a um cidadão de ignorar que seus próprios limites e direitos, o subjetivismo de sua ação, possam ser mais legítimos que os da coletividade. Portanto, a lei seca ora em vigor é como educar uma criança mal-criada lhe retirando o brinquedo preferido: para que ela aprenda a usá-lo sem quebrar, sem machucar o coleguinha. A lei é seca, porque diz com todas as letras, sem margens a interpretações, que é pribido beber e logo depois sair de carro para arriscar a própria vida, e colocar a vida de todos em risco.

ALTAMENTE RECOMENDÁVEL

BH - A CIDADE DE CADA UM

Esta coleção é para quem gosta de verdade de Belo Horizonte, esta cidadezinha gigantesca, este arraial cosmopolita em que vivo todas as minhas "aventuras e desventuras". "BH - a cidade de cada um" reúne, em 15 volumes, histórias, relatos, memórias, "causos" da cidade, pela mão de gente como o contista Wander Piroli (no volume "Lagoinha"), o compositor Fernando Brant (que assina o volume "Mercado Central"), o jornalista esportivo Jairo Anatólio Lima ("Estádio Independência") o arquiteto Flávio Carsalade (autor de "Pampulha"). É como se fosse uma agradável conversa na varanda, uma prosa boa sobre as coisas peculiares da nossa capital, mais a memória afetiva do que o rigor histórico, mais o folclore sobre os fatos do que a versão oficial. É uma delícia de leitura, eu garanto. visite o site do projeto em http://www.bhdecadaum.com.br.
Os livros estão á venda "nas melhores livrarias" pelo preço médio de R$15,00 cada.
EPPUR SI MUOVE*


"Não", é o que direi se perguntarem sobre o nosso caso
Em voz alta a tudo negarei
Mas no fundo do coração calarei
Os verdadeiros motivos


*"Eppur si muove" ("No entanto, [a Terra] se move") é o que teria murmurado Galileu Galilei (1564-1642), após rejeitar publicamente, diante de um tribunal da Inquisição em Roma, em 1633, a sua convicção de que a Terra gira em torno do Sol.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

THE WAY AHEAD

O rio de peixes metálicos que segue à minha frente e
Que leva tudo embora rapidamente
e de repente desemboca no centro da cidade
A corrente de bichos elétricos, de monstros mecânicos, que corre do presente
Como se buscasse o fim dos tempos
num instante pára tudo o que acontece
Para simplesmente deixar passar um bando de gente.
Todas as máquinas reluzentes que seguem o curso da avenida
Levam histórias, metades, mensagens
Levam todas as vidas para o distante e
Trazem à tona uma multidão de cidades que correm no sangue
De todo vivente.
O FUNDO DO MAR

Tu sabes em que paradeiro ficaste: no passado distante
Numa cidade sem habitantes dentro do meu peito
Tu sabes que todos se distanciaram quando me deixaste
Como se todos os automóveis partissem em uma só viagem
Levando toda a gente
Tu sabes que o vazio que restou me preenche
Como a cidade engolida pelo mar
Na profundeza de tudo o que ficou ainda está um rei louco
A governar os peixes.

PUBLICIDADE RUIM

Olha só: eu não queria usar esse espaço, que deveria ser mais para eu falar de coisas boas e bonitas de que gosto, para reclamar e dar vazão às minhas ranzinzices. Até porque ultimamente eu não tenha sido tão ranzinza como de costume. Tenho estado até feliz e satisfeito como minha vidinha mais ou menos (mais para mais, graças a Deus). Mas eu não poderia deixar de comentar aqui algo que me irritou profundamente dia desses na televisão: o filme de uma operadora famosa de banda larga - não vou citar o nome. No comercial, o cara está num parque público falando das vantagens de um determinado plano de banda larga, de não sei quantos mega e tal e coisa, enquanto pessoas passeiam tranqüilamente no parque. No final, o apresentador anuncia: "Que caia um raio na minha cabeça se eu estiver mentindo". Nesse mesmo instante, cai mesmo um raio, só que não na cabeça do sujeito, mas de um ciclista lá atrás. Só se vê depois uma mancha preta no chão e os destroços da bicicleta. Ora veja: é preciso de tamanho mau gosto para anunciar um produto, é preciso ser nojento e asqueroso para promover um serviço ou uma mercadoria, para destacar-se num mercado de novidades iguais a preços populares? É necessário ser apelativo para ser pretensamente engraçado e "irreverente", para chamar a atenção do público alvo/consumidor/cliente? Não. O consumidor/cliente/público não precisa dessas aberrações. É possível apresentar um produto ou serviço sem recorrer à toda essa baixaria, toda essa falta de inteligência e de criatividade. Outro exemplo chocante, por falar em publicidade apelativa, é a campanha do Novo Gol que está no ar, com Giselle Bundchen e o brutamontes Sylvester Stallone. Num dos filmes, Stallone está, ao que parece, fugindo do assédio da imprensa no seu possante não-sei-quantos-ponto-zero Novo Gol, como se fosse um criminoso fugindo da polícia. Aí vale tudo: andar na contramão numa ponte, dar "cavalos-de-pau", ir a toda velocidade fechando os outros carros...num tempo em que tanta gente mata e morre no trânsito das nossas metrópoles, o filme do Novo Gol não deixa de ser um "ótimo" exemplo.

domingo, 29 de junho de 2008

O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN

“Caixinha de Surpresas”: Uma resenha de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”.

Por Olavo Duarte

Atenção : este texto contém "spoilers", revelações sobre o enredo do filme. Se você ainda não o assistiu, fica a seu critério prosseguir ou não na leitura.



O que você faria se encontrasse uma caixa cheia de objetos que pertenceram a uma criança que morou no seu apartamento a quarenta anos atrás? Talvez você não desse importância nenhuma ao fato. Coisa sem valor, você diria. Mas se seu nome é Amélie Poulain e você é a protagonista do ótimo “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain, 2001, direção de Jean Pierre Jeunet, com Audrey Tautou e Mathieu Kassowitz) encontrar o dono da tal caixinha torna-se uma missão. Amélie vive só em um pequeno apartamento alugado no simpático bairro parisiense de Montmartre e trabalha como garçonete numa cafeteira do bairro, o Deux Moulins. Nada de mais extraordinário acontece na vida da sonhadora e tímida Amélie, a não ser a convivência com os esquisitos freqüentadores do botequim. Uma é hipocondríaca e atende numa pequena banca de cigarros. Um vive vigiando a vida da ex-namorada que também trabalha na cafeteira. Outro é um escritor fracassado e melancólico; outro é... era de se esperar que no meio de tanta gente maluca, absurdamente solitária e desencantada, não poderíamos ser brindados nunca com um grande filme. Mas somos. Amélie já não vem de um prognóstico familiar muito promissor: seu pai, Raphaël Poulain, vive recluso na periferia de Paris desde a morte da mulher e prefere a companhia de um anão de jardim a de outros seres humanos. Quando criança, Amélie nunca tivera muito contato com o mundo exterior. Seu único “amigo” era um peixinho de aquário chamado “Cachalote”. Trancada em casa, sem amigos, desenvolve uma prodigiosa imaginação, uma visão poética do mundo que ela carrega nas malas quando decide sair de casa aos dezoito anos e ganhar a vida por conta própria. Até o episódio da caixinha de brinquedos, sua vida transcorre sem grandes acontecimentos. Decidida a encontrar o dono dos objetos, ela sai procurando pelas ruas de Paris um tal Bredoteau. Ela pergunta o endereço para o dono de uma quitandinha na rua, Collignon (Urban Cancellier), um sujeito desprezível e mal-educado, que sublima a sua frustração com tudo e todos humilhando o empregado Lucien (Jamel Debbouze). Mas a procura parece caminhar para o fracasso até que Amélie esbarra com mais um inusitado personagem: o velho do apartamento ao lado, outro recluso e solitário parisiense chamado Raymond Dufayel (Serge Merlin), um obscuro pintor, portador de uma doença óssea rara que o torna frágil como um graveto. Dufayel, conhecido como “homem de vidro”, é obcecado por uma obra de Renoir chamada “Almoço com Barqueiros” e, mais especificamente, com a personagem que ocupa o centro da composição, uma jovem com um copo d’água (veja a figura abaixo) não por acaso muito parecida com nossa heroína.



O homem de vidro dá a Amélie a chave do enigma: o homem que procurava não é “Bredoteau” e sim, “Bretodeau”, com “to” e não “do”, como em “toto”.
Enfim, Amélie tinha a chance de mudar a história. Sem se deixar ver, ela provoca uma reviravolta na vida do desiludido Bretodeau. A na sua própria. Na do espectador também.
A partir dessa quase banal fatalidade, Amélie passa a se interessar pelo cotidiano das pessoas a sua volta e, sempre anonimamente e com estratagemas geniais, interferir nos pequenos – e grandes - dramas dessas pessoas. Assim, Amélie não vê problemas e obstáculos em copiar as chaves do apartamento do malvado Collignon e vingar, com requintes de crueldade, as humilhações que este impõe ao pobre Lucien; coisas do tipo trocar a pasta de dente do quitandeiro por um creme para pés, botar o relógio para despertar às quatro da manhã, fazer de um prosaico abajur uma verdadeira máquina de eletrochoque. Afinal, se depender da nossa amiguinha, ninguém sofre, ninguém vive só, ninguém é humilhado. Tanto é assim que ela chega a inventar que a tal hipocondríaca, Georgette (Isabelle Nanty) está interessada no ciumento Joseph (Dominique Pinon) – o que vive vigiando a rotina da ex-namorada. A vida no monótono Deux Moulins nunca mais será a mesma. E ninguém sabe quem foi o anjo da guarda que está causando tantas revoluções, juntando pessoas, encontrando caixas perdidas, vingando o sofrimento alheio. E ela está bem ali, aquele rostinho tímido e inocente. E ninguém sabe também que a própria Amélie se refugia na solidão e não está feliz por causa disso. Ela própria, a despeito de fazer a felicidade de todo mundo, está se sentindo só, não espera encontrar ninguém com quem dividir seu famoso bolo de nozes, ninguém para chegar em casa e abrir a porta, ninguém para brincar com seu gato.
E ela também não sabe que um belo dia, não sem antes, como de costume, “fazer o bem sem olhar a quem”, se atrasa no serviço e não consegue chegar no metrô em tempo de pegar o último trem pra casa. Bom, o jeito é achar um lugar pra dormir. Logo ali tem uma cabine de foto, dessas automáticas. A noite, é claro, não é das melhores. Só que o acaso, sempre ele, tem um efeito devastador na vida de qualquer ser humano. Quem poderia adivinhar que no caminho ela ia dar de cara com o esquisito Nino Quincampoix (Mathieu Kassovitz), remexendo embaixo da cabine com uma régua e recolhendo pedaços de fotos rasgadas? Fora esse estranhamento inicial, Amélie não teria visto de novo jamais o rapaz se uma irresistível curiosidade não a levasse a segui-lo: no caminho, Nino perde acidentalmente uma bolsa e – claro e de novo – o destino fabuloso calha de colocá-la nas mãos de nossa heroína. Rever o rapaz torna-se mais uma das obsessões de Amélie. Só que ela quer negar pra si mesma que é um tal de “amor a primeira vista”, coisa em que ninguém mais acredita hoje em dia. Todos nós sabemos que ela se apaixonou de imediato pelo sujeito, com quem parece compartilhar a estranhice. Só loucos mesmo colecionam fotos rasgadas 3x4 de estranhos metodicamente reconstituídas e coladas em ordem cronológica e geográfica. Só loucos mesmo trabalham de balconista numa sex-shop e, às quartas, num trem-fastasma (a cena mais sensual e linda do filme). Nino é o par perfeito de Amélie. Só que Nino também ignora quem é a moça que anonimamente – de novo – faz chegar a suas mãos o tal álbum. E arde de curiosidade – apaixonada como tudo que é mistério – em conhecê-la. Só que a garota coloca o cara num labirinto e dá uma de Ariadne às avessas: mais confunde e propõe enigmas do que tenta resolvê-los para tranqüilizar a si mesma e a seu ansioso coração. Assim, o jogo de gato e rato envolve todos os personagens da história: o “homem de vidro”, o garoto Lucien, a colega de Nino na sex-shop (Eva) e outros anônimos, todos dão sua parcela de contribuição para aproximar o casal. Dessa vez, não é Amélie que se envolve com os problemas do mundo, mas é o mundo quem se encarrega de dar o caminho para Amélie passar. E levá-la aos braços de seu Nino.
Tudo bem, parece sim – e é – uma historinha água-com-açúcar –feita sob medida para românticos – mas qual é o problema? Críticos carrancudos a chamaram de “Madre Teresa” made in Paris. Num tempo em que o “my, myself and I” é a regra, uma pessoa que entrega o coração aos estranhos é mesmo um alienígena. Ainda mais se a pessoa em questão se sente só contra o mundo: a tentação é de encarar tudo com raiva, de jogar na cara dos outros a própria incompetência afetiva, a frustração amorosa, o fracasso profissional. Poucos devolvem em ternura, em afeto a cara feia do mundo exterior. Poucos inventam cartas de amor para juntar dois desconhecidos, poucos ajudam um cego a “ver” a rua. Amélie Poulain é a prova – ainda que ficcional – de que o mundo tem jeito. Bastam um pouquinho de imaginação, cola, papel e tesoura. E uma caixinha de metal enferrujada. Não é muito difícil ser feliz.

Assista ao trailer no Youtube:
(um comentário sobre esse trailer: as legendas em português - não devem ser as legendas originais do VHS/DVD - trazem um erro grave. Lucien fala a Dufayel sobre um (ou uma) tal Le Didi. Não é nada disso: na verdade, o comentário é sobre Lady Di, a princesa britânica, cuja morte em Paris, em agosto de 1997, é um dos motes da trama.)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

ESPAÇO E TEMPO

DE vez em quando
ela sai um pouco do meu pensamento
para voltar mais do que depressa

E quando me faz esquecer da vida por um momento,
também me desperta,
quando reaparece na página seguinte

Os lugares dela vem até a mim no meu caminho -
quando corro para trás para vê-la no passado.

UM DIA A CIDADE VAI PARAR



Eles vêm de todos os lados: alguns são grandões e outros bem pequenininhos; são todos muito atrevidos, muito barulhentos, muito mal educados. Costumam chegar sem avisar, e passar sem pedir licença. Quando um esbarra no outro, é aquela confusão. De repente, todos páram e, sem saber o motivo, começam a discutir entre si para ver quem tem razão, quando todos estão errados. O nome desse animal é automóvel. Essa praga urbana está se disseminando com uma rapidez impressionante, a cada dia invade as metrópoles do país com mais avidez, tomando todos os espaços. Estes espécimes carregam dentro de si um outro animalzinho ainda mais agresivo e arrogante chamado ser humano, talvez ele o mais culpado pela disseminação dessas feras de metal do qual se apoderam - ou pelas quais se deixam apoderar, vivendo uma perturbadora relação de dependência: muitas vezes não dá para saber quem toma conta de quem. O fato é que essa doença urbana um dia pode paralisar a cidade, deixá-la asfixiada, matá-la por infarto - não é por acaso que se diz que quando o trânsito está parado as "artérias" estão "congestionadas".

segunda-feira, 23 de junho de 2008

BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS




Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, Estados Unidos, 2004, 108 min, direção por Michel Gondry, roteiro por Charlie Kaufman, Michel Gondry e Pierre Bismuth; com Jim Carrey, Kate Winslet, Mark Ruffalo, Tom Wilkinson, Kirsten Dunst, Elijah Wood; Disponível em DVD)

A maioria das pessoas que eu conheço (pelo menos aquelas que se dizem "normais") costumam apagar os sinais das suas antigas relações afetivas, aquelas que "terminaram" por algum motivo. No começo, de fato, é tudo bonito naquele(a) que escolhemos dentre os(as) outros; mas, com o tempo, a gente vai descobrindo -conhecendo - melhor as pessoas. Daí, vêm as incongruências, as incompatibilidades, as picuinhas; são pequenas coisas, "detalhes tão pequenos de nós dois" que, no conjunto, podem levar o relacionamento todo para o brejo. Então, aquelas demonstrações cotidianas de afeto, representadas pelos bilhetes apressados, pelas longas cartas, pelas fotografias, pelos pequenos presentes, pelo papel de embrulhar o presente como se ele fosse uma relíquia histórica, todos os objetos que em conjunto contam o conto de um relacionamento, vão todos eles impiedosamente para a lata de lixo; como se o ato de se desfazer desses elementos físicos fosse deletar o que ficou gravado, fotografado e impresso no coração. Como se a memória afetiva não fosse nada mais que um disco rígido que pudesse ser simplesmente "formatado", ficando pronto para outra assim de uma hora para outra. Não é tão fácil assim: as nossas lembranças mais preciosas têm muito a ver com as pessoas que conhecemos e que amamos na vida, e o esquecimento - ou a tentativa de - nos fazem mais pobres como seres humanos. As experiências afetivas que vivemos, por mais traumáticas ou perturbadoras que possam ter sido, ou por mais sublimes que poderiam ser, são como nos diz o poeta Goethe: "Somos moldados e formados por aqueles a quem amamos"
Digo tudo isso para falar sobre este "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" que, a começar pelo longo título, versão literal do título original em inglês, Eternal Sunshine of the Spotless Mind, é um filme incomum pela proposta, também ela bastante original, pela direção competente de Michel Gondry e, sobretudo, pelo inteligentíssimo roteiro de Charlie Kaufman. Vamos aos fatos: Clementine Kruczynski(Kate Winslet)e Joel Barish (Jim Carrey, em um dos pápéis em que não precisou de suas famosas caretas) estão em crise. Clementine é elétrica, esfuziante, muito "dona do seu nariz". Uma de suas muitas manias é trocar a cor dos cabelos, às quais dá os nomes mais esquisitos. Já Joel é mais "na dele": é tímido, calado, introspectivo, totalmente o oposto da sua extrovertida namorada. Poderia ser como qualquer casal que você conhece e que um dia se separa ("termina"), salvo um senão: Clementine, além de tudo, abandonou Joel também no pensamento. Um famoso psiquiatra, o Dr. Howard Mierzwiak (Tom Wilkinson) inventou um método que literalmente "deleta" as lembranças amargas dos relacionamentos afetivos. O efeito colateral dessa técnica, no entanto, é apagar também a parte boa da história. Clementine aceita se submeter a esse procedimento e, de um dia para outro, Joel deixa de existir, ou melhor, parece nunca ter existido. Só que Joel, por acaso, descobre todo o esquema. Desesperado e desiludido, ele decide também se submeter à lavagem cerebral do Dr. Mierzwiak; afinal, se ela o esqueceu, porque ele também não a esquece? O que não se espera é que o "procedimento" falhe no meio. Mas é exatamente o que acontece. Joel percebe, no meio da viagem ao labirinto das suas lembranças, tentando se desfazer daquelas que lhe fizeram sofrer, para esquecer das brigas que não valiam a pena, das "acusações infantis e palavras mordazes" está deixando para trás também os momentos inesquecíveis, o som da voz de Clementine, o sorriso dela, aquelas loucuras e esquisitices, aqueles mesmos pequenos detalhes que faziam tanta diferença, que tornavam Clementine a pessoa mais linda do mundo. Ele se dá conta de que, se deixar para trás os bons e maus momentos, também pode abandonar a vida.

Assista ao videoclipe da canção original de "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" no Youtube:




"Everybody's Got To Learn Sometime"
Written by James Warren
Performed by Beck

quarta-feira, 4 de junho de 2008

A Estranha Íntima

Eu descrevo o que não sei
Com palavras que não entendo
quando falo a teu respeito
Sobre o estranho sentimento
Por alguém que eu não conheço muito bem.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Obrigado, Ana

A minha amiga Ana, dos bons tempos de D.A.Letras/UFMG, me faz uma agradável visita. Ela até recomenda a minha "casa virtual" aos amigos que, se são amigos dela, são meus também; fico feliz que ela tenha gostado da estada aqui no meu mundo, e espero que ela tenha aproveitado a ocasião e que tenha levado consigo alguma coisa boa. Volta quando quiser, Ana. A casa é sua. Traz mais gente pra me visitar. As portas estão abertas dia e noite.

domingo, 1 de junho de 2008

UM PEQUENO ROMANCE



Lauren (Diane Lane), uma jovem estudante norte-americana, está entediada e aborrecida em Paris; mora com o padrasto, um rico empresário do setor de telefonia, e com a mãe que vive a flertar com um cineasta de quinta categoria metido a gênio; a garota prefere ficar estudando filosofia, aos embalos da cidade-luz. Daniel (Thelonius Bernard) vive também em Paris, junto com o pai autoritário e alcoólatra, que o trata com desprezo e arrogância; Daniel prefere passar os dias nos cinemas da cidade - sabe os dialógos dos westerns de cor - e fazendo apostas fictícias nos cavalos do Jockey Club (quase sempre "ganha" fortunas). Daniel tem um QI alto. Leu Heidegger, assim como Lauren. Fala inglês fluente, de tanto ver filmes americanos. Num dia desses, num desses encontros casuais, os dois se conhecem. Um pequeno e inocente romance surge entre eles. Se você está achando que o filme é só isso, ainda não conhece Julius, um velhinho simpático e elegante e cheio de histórias maravilhosas sobre si próprio, vivido pelo extraordinário Laurence Olivier. Ele conta ao jovem casal uma antiga lenda que afirma que se namorados se beijarem em uma gôndola sob a Ponte dos Suspiros em Veneza ao pôr-do-sol, ao som dos sinos do campanário, vão se amar para sempre. Mas como o "pra sempre sempre acaba", Lauren fica sabendo que os pais estão de partida para Houstoun, nos EUA, do outro lado do Atlântico. Daniel e Lauren, com a ajuda de Julius, decidem, sem os pais saberem, cumprir o que diz a lenda, partindo numa viagem desesperada e atrapalhada em busca da realização do amor que têm um pelo outro. Muito divertido, muito engraçado, muito poético e delicado.

A Little Romance, EUA, 1979, 108 min. Direção por George Roy Hill, com Diane Lane, Thelonius Bernard, Laurence Olivier. Disponível em DVD.

Noites Brancas: leia o livro, veja o filme, assista a peça, ouça a canção...




Trailer de Noites Brancas


Já falei aqui antes de Noites Brancas, a peça, com a Débora Fallabela e o Luiz Arthur. Já se sabe que eu sou suspeito para falar bem desse espetáculo, dadas as circunstâncias em que tomei contato com a linda e trágica história de amor do Sonhador Sem Nome e da menina Nastenka em São Peterburgo e com que intensidade e entrega os atores a viveram no palco. Noites Brancas é, na origem, um romance escrito pelo grande autor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1848. Muitos torcem o nariz para as adaptações fílmicas e teatrais de grandes obras literárias ou, para ser acadêmico as "traduções intersemióticas" entre os diversos gêneros narrativos. Agora queria falar um pouco sobre o filme (assista ao trailer) dirigido por Luchino Visconti, lançado em 1957, e que ganhou a Palma de Ouro daquele ano em Cannes. A São Petersburgo de 1848 é transportada para uma Livorno de meados do século 20 (reconstruída com requintes de realismo num estúdio da Cinnecitá) , em uma época que evoca o pós-guerra mundial. Marcelo Mastroianni é Mário (ele não tem nome no romance de Dostoiévski) um trabalhador pobre, que vive numa decadente pensão suburbana - bem ao gosto da corrente neo-realista do cinema italiano da época. O único interesse do rapaz naquela noite branca é encontrar alguém (leia-se uma prostituta) para se divertir um pouco e aplacar o tédio e a solidão. O que ele não sabe ainda é que Natalia vai aparecer dali a pouco, na figura de uma mocinha que chora copiosamente sobre uma ponte. Condoído e ao mesmo tempo interessado, Mario se se aproxima e tenta puxar conversa, saber por que aquela garota está em prantos. Ela percebe e se esquiva dele. Um acaso vem em seu favor: um bando de motoqueiros arruaceiros começam a importuná-la e Mario, dando uma de valente e de protetor de mocinhas frágeis e delicadas, os afugenta. Conversa vai e vem, encontro marcado para o dia seguinte. A longa noite passa e chega a hora de os dois se reverem: aí então a razão das lágrimas se revela: um homem misterioso estava por chegar ontem, e ele não veio. É o mesmo que tinha prometido, um ano antes, que viria para levá-la, quando conseguisse se ajeitar na vida; viria para tirá-la daquela casa em que ela vivia com a avó cega e a criada surda e literalmente presa a barra da saia da primeira, para não repetir as estripulias típicas de uma adolescente orfã de pai e mãe. A espera se torna angustiante pelo princípe encantado que não vem. Mario, sem querer (querendo) vai se apaixonando por Natalia, e ao mesmo tempo a ajuda a tentar encontrar o prometido. Quatro noites dura a angústia, quatro noites prometem a felicidade, mas tudo pode acontecer em quatro noites. Você deve conhecer uma história parecida: o rapaz ama a garota, mas não consegue dizer que a merece mais do que aquele que a deixou com a vaga promessa de um dia voltar. Mario dá conselhos e consolo, ajuda a escrever cartas, aplacando em seu coração "tão tosco e tão pobre" a paixão que sente, e não deseja tão sinceramente assim que o outro apareça para levá-la. O que ele quer mesmo é que o desconhecido nunca apareça.

Little Sister Leaving Town

Esse clipe da cantora canadense Tanita Tikaram veio parar por acaso aqui. Achei o filme estranhamente belo, extremamente simples, com uma singela historinha da moça que um dia deixa a cidadezinha onde viveu. A canção, na voz sui generis de Tanita, é belíssima e a fotografia, primorosa.


DIA DOS NAMORADOS CHEGANDO...



MENSAGEM

Torno a pensar em tudo isso que fiz antes
Por ti e por todas as coisas
A cada passo do pensamento eu te busco no passado
É remoto no meu coração o tempo vivido
Mas é do dia de hoje a notícia chegada
Leio na página do cotidiano a presença da lembrança
Que vem de manhã cedo
A trazer palavras novas sobre o nosso caso
Sinto como se agora fosse todo o destino.
Eu me lembro que dizia assim mesmo
Todas as letras com que te digo isso
São as mesmas
E eu me vejo num próximo futuro
Repetindo tudo.

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA


"Hoje de manhã assisti ao filme que peguei disciplicente na locadora; "A Felicidade não se Compra" acaba de entrar na lista dos meus melhores filmes. Eis uma sinopse: na noite de natal, George Bailey (o sempre extraordinário James Stewart) esmagado pelas dívidas e sob a ameaça de prisão, decide se suicidar. George sempre quis ajudar aos outros, sacrificando o melhor da sua vida quando se tratava de proteger aqueles a quem amava. Filho de um banqueiro benevolente, que emprestava dinheiro aos cidadãos mais miseráveis de sua pequena cidade, Bailey sempre foi admirado e respeitado pelas pessoas, muitas vezes tido como herói e benfeitor. Amado por muitas mulheres, só amava Mary (a lindíssima Dona Reed). De percalço em percalço, Bailey acha que é feliz, que se realizou em sua vida modesta e pacata na pequena firma do pai, cuidando com dificuldade dos cinco filhos e ao lado da bela esposa. As maquinações do velho Potter (Lionel Barrymore) dono quase toda a cidade, porém, levam Bailey a uma sucessão de infortúnios, fazem-no se afogar em dívidas, ameaças de prisão, bebedeiras. Na véspera do Natal, desiludido, bêbado, espancado, desencantado, amaldiçoando a vida e a Deus, Bailey decide se matar, atirando-se de uma ponte. É aí que entra em ação o engraçadíssimo "anjo de segunda classe" Clarence (Henry Travers) designado pelo próprio Deus para salvar Bailey de perder o maior bem que todos temos, a própria vida. Clarence resolve mostrar a Bailey como seria se ele não tivesse nascido, o quanto cada vida depende de cada uma das outras, como seria diferente se ele não existisse para as pessoas que o amaram apenas por ele ter existido. Como seria a vida do irmão que ele salvou de se afogar no gelo, como os pobres moradores da cidade teriam vivido se ele não tivesse abrido mão da própria felicidade para salvar o banco do pai, se não tivesse trabalhado pela felicidade dos outros. Deus ouve a oração de toda uma cidade, tantas pessoas elevam a prece ao alto que a intervenção divina vem para salvar uma vida e uma grande história."

NOITES BRANCAS

(publicado no Blog dos 110 anos de Belo Horizonte, do UAI- Estado de Minas, Belo Horizonte, em 12 de dezembro de 2007)





O coração já vinha acelerado desde o Mercado Central. A rosa vermelha nas mãos, os olhos brilhando, uma vontade de ganhar asas e chegar logo. Contorno com Célio de Castro. Ela tinha combinado para as 6, 6 e meia da tarde em frente ao Champion. Noites Brancas no Teatro Alterosa, com a Débora Fallabela e o Luiz Arthur. Chego bem antes de seis. Como sei que ela só chega na hora marcada (ela não costuma atrasar), resolvo caminhar pelas redondezas. Rua Jacuí, Rua Itajubá, Praça Negrão de Lima. O outono mostra-se todo nas copas dos ipês, cujos galhos amarelos se enroscam nas sensuais volutas dos centenários edifícios neoclássicos; a pressa indiferente dos transeuntes, poucos param para ver a criança que pede com os olhos uma moeda, sabe-se lá se é realmente para comer; "olho a cidade ao redor, e nada me interessa": a canção de Ana Carolina me toca os ouvidos como a brisa serena do início da noite. E é verdade. Tudo o que me interessa é uma moça, de todas as moças da cidade, a única que eu espero chegar. Como Minas não tem mar, não é a Garota de Ipanema, mas quando ela passa, quando ela vem, também aqui "o mundo inteiro se enche de graça, e fica mais lindo". Aí de repente, como sempre repentina, como toda a surpresa, ela aparece. Na hora. Mas é cedo ainda, não precisamos ter pressa. Podemos os dois ir tranqüilos, o teatro é perto, na Assis Chateaubriand; podemos caminhar conversando sobre as nossas mais recentes novidades, trocando idéias sobre os próximos dias, correspondendo nossas expectativas sobre as coisas do mundo. E meu olhar pode sem se acanhar admirar como é linda essa moça, como ela sorri e ilumina o início da noite de Belo Horizonte. Os arcos do Viaduto Santa Tereza assomam à distância. O arvoredo do Parque Municipal, a linha do horizonte por trás dos edifícios do Centro já se mostra cor-de-fogo, o sol já vai descansar. Estamos os dois chegando ao Alterosa. Uma pequena multidão se aglomera diante da porta, todos esperam a peça começar. Débora Fallabela e Luiz Arthur se transformam na menina Nástenka e no Sonhador Sem Nome. No palco, uma história de amor. O Sonhador encontra na ponte do Nieva, em São Petersburgo, aquela que em quatro dias amará, para depois vê-la partir nos braços de um Outro Qualquer. Belo Horizonte podia ser a então capital russa do século XIX. Eu seria o sonhador e ela, a Nastenka em meu coração. Eu também viveria o meu "minuto de felicidade" e também bastaria para "preencher a minha vida". Foi o que mais tarde aconteceu. Eu disse tudo. Assim como o Sonhador, eu sonhei em voz alta e deixei que ela ouvisse o meu sonho, deixei que ela soubesse que o personagem do romance era eu. A Rua da Bahia, no La Greppia, me pareceu uma das vielas da cidade russa com suas tabernas; ela se assustou tanto com a novidade já suspeitada quanto a personagem do conto de Dostoievski; mas ela já sabia, já percebia, já sentia que eu não era só aquele rapaz estranho na vida dela, aquele que eu mostrava e o que se escondia em mim. Mas era tarde e eu morava longe. Tínhamos que ir embora. Ela para o Bairro da Graça e eu para o outro lado da cidade. Me deixou na Paraná e foi. Eu não notei a cidade já com todas as lojas fechadas, a não ser pelos bares apinhados de gente querendo beber alguma coisa para encontrar alguma felicidade perdida. E não notei também um rascunho de lágrima que se desenhava no meu rosto. Eu disse adeus e fui andando. Só. No meio da cidade, agora totalmente desconhecida. Sem as luzes que ela trazia nas mãos; apenas uma claridade pálida, uma sombra em cada esquina, agora ameaças de um perigo. Diz-se que nas noites brancas européias o sol não se põe: que uma espécie de manto nevado recobre as ruas e as casas, manto leitoso, véu diáfano. Deixa tudo com a impressão de um filme antigo, de um conto romanesco do século XIX, quando todo romantismo ainda não era demodé. Foi assim na noite de 19 de junho de 20...em Belo Horizonte. Pelo menos enquanto a aventura romântica durou, até que ela, do mesmo jeito repentino com que apareceu, dobrou uma esquina, a última antes de desaparecer dos meus olhos e ir morar em meu coração. Um minuto inteiro de felicidade.

O FANTASMA DE BELO HORIZONTE

Hoje saí para caminhar sem rumo
Tive um encontro com a cidade
Namorei todos os sorrisos das moças de vestido
Apostei todo o meu dinheiro em todos os cassinos
Fui a pé aos bairros do destino
Perdi perdão ao Deus de todas as igrejas
Esmolei junto com os mendigos
Deixei-me levar como a multidão
Fui cada um no meio de um milhão
Estive confuso e tumultuado como os carros
Comprei a vida nas diversas embalagens
Em que ela costuma vir envolvida
Vi a criança ir desalentada, o andarilho louco
que sonhava na avenida
A mulher que não tinha outra saída
A não ser se entregar
Por quase nada.

Hoje saí pela cidade, a andar pelo passado
Centenário,
Outros fizeram antes de mim esse mesmo itinerário
E nunca mais foram vistos.

DO TEMPO

Contra a clara manhã de inverno
Sonho na solidão
Que vivo de novo aqueles dias que passaram
E que ainda são
- E espero.

A NOITE NA CIDADE

Os carros são indiferentes
Há toda uma fuga de toda gente
Não se sabe para onde
As casas se acendem à noite
Contra a pálida e escura cidade
Que emudece
O trânsito cessa de repente
A pressa

A ilusão vendida a preços populares
Faz um extremo contraste com o rebanho triste
Que anda em fila

As luzes distantes são bares
Em que se vendem gotas de felicidade urgente

Numa esquina qualquer
Uma criança oferece
a infância

domingo, 25 de maio de 2008

Devidamente conectado

Estive fora por uns tempos...volto agora devidamente conectado ( em casa!). Consegui uma conexão do Velox! É um outro mundo multimidiático. Tudo num instante e tudo que se imagina possível na Internet. Agora, se o ócio e a indolência não me impedirem, serei mais constante com o meu blog.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O Perguntador

O que dizer do mundo em que as condições de vida de bilhões estão abaixo do mínimo da dignidade e alguns poucos oferecem a seus cães uma vida mais decente que a de um ser humano?O que dizer de um mundo em que o imperativo econômico dos grandes conglomerados está acima da paz entre os povos, em que um barril de petróleo é mais importante que o alimento de centenas de indivíduos, que um diamante que adorna o belo pescoço da dama da sociedade custou a vida de mais de um negro africano, nas intermináveis guerras pelo domínio da extração das pedras preciosas? O que dizer, meu amigo, sobre o maluco que provocou a morte de um semelhante dirigindo na contramão da avenida e está livre para cometer outros atos impunes, sobre os quais a lei dos homens mais uma vez se omitirá e usará o direito em favor dos que por ele podem pagar um pouco mais? O que dizer da mulher exposta no horário nobre, vendendo sua sexualidade, sua beleza por um punhado de níqueis para que as outras definhem tentando imitá-la na sua inacessível magreza de espírito e de organismo? o que dizer dos arrogantes que fazem das suas fortalezas móveis que andam nas ruas as armas da sua prepotência e do seu narcisismo, que literalmente atropela os obstáculos a seu desejo do imediato e do excesso? O que dizer, meus Deus, dos que matam e morrem pelas seus pequenos caprichos, que não sabem que o outro vive ao lado e que também deseja, que também ama, que também precisa ir e voltar? O que dizer para aqueles que compram a lealdade, que vendem suas convicções, que negociam na bacia das almas o preço irrisório da própria dignidade? E aos que faturam com a degradação, com a miséria humana, com os dramas que não lhe pertencem, o que dizer? O que dizer para aqueles que financiam a máquina dos esquemas corrompidos, que facilitam a entrada dos ladrões, que fingem não ver a infração e o erro, que se omitem diante da injustiça e do crime? O que dizer aos invejosos, aos ignorantes, aos estúpidos, aos falsos, aos que não são o que dizem ser, aos que não tem coragem de admitir a fraqueza e se fazem de fortes para não ter que pedir apoio, conselho, perdão ou desculpas pelo que fizeram? O que dizer dos que querem ter sempre razão, sempre certeza, sempre justificativas para todos os atos, que acham que os fins permitem qualquer meio, qualquer método e todo tipo de estratégia? Será que vamos todos calar em uníssono?

terça-feira, 1 de abril de 2008

JESUS DE MONTREAL


Estou com vontade de assistir de novo esse belo filme de Denys Arcand, laureado com o Oscar por "As Invasões Bárbaras" em 2003. "Jesus de Montreal", com Lothaire Bluteau no papel principal, conta-nos a história do ator Daniel, que é escalado por uma paróquia de Montreal para encenar uma peça da Paixão de Cristo. Feita a escalação do "elenco", Daniel dá início à pesquisa que o leva a conhecer profundamente o personagem que interpretará. Quando a peça começa a ser encenada, os párocos da igreja percebem que Daniel está sendo um tanto quanto "liberal" demais e decidem interditar a apresentação. Mas aquela igreja jamais tinha visto tanto público e tanto sucesso na Semana Santa. Mesmo assim, a trupe de Daniel começa a ter problemas com o sucesso extraordinário, num paralelo perfeito com a história de Jesus Cristo, que em sua época também pagou um alto preço pela "popularidade" e pelo carisma. É comovente a cena em que Daniel, irritado com o assédio da imprensa, destroí completamente o equipamento de filmagem - nem precisa dizer que é uma alusão aos "vendilhões do templo" contra os quais Cristo se rebela. Tanto em um caso com no outro, esta é a gota d' água para que Daniel deixe a condição de "superstar" e passe a de "inimigo público", "agitador subversivo" e comece a ser procurado pela polícia. O final me trouxe lágrimas aos olhos. Assisti a esse filme em uma Sexta-Feira da Paixão de muitos anos atrás. Pena que ainda não tem em DVD no Brasil...

Assista ao trailer:
http://video.google.com/videoplay?docid=-3251535406017380277

quarta-feira, 26 de março de 2008

ANOS INCRÍVEIS



Estou assistindo aos poucos: são 115 episódios, de vinte e cinco minutos em média cada um. Consegui todos em DVD. Passou na BAND e na Cultura a décadas e acho que está passando em algum canal fechado. O seriado "Anos Incríveis", criado em 1989 por Neal Marlens e Carol Black marcou época e inovou no padrão das chamadas "sitcom" americanas, ao contar a história de uma típica família suburbana aos olhos do garoto Kevin Arnold (Fred Savage). Ao longo das seis temporadas da série, acompanha-se o dia-a-dia de Kevin, - contado por ele mesmo quando adulto - , suas aventuras e desventuras no colégio, na turma de amigos - o melhor é Paul Pffeifer- , em suas primeiras experiências no trabalho, no convívio nem sempre harmonioso com a família, (o irmão Wayne, um tremendo "mala" que o diga), nas suas frustradas relações com as garotas, entre elas a sua eterna musa Winnie Cooper (a bela Danica McKellar); tudo isso embalado pela excelente trilha sonora, com centenas de hits dos anos 60 e 70, garimpados de standards do jazz americano, do rock 'n' roll, de blues e R&B e pelos acontecimentos políticos, econômicos e sociais da época - a Guerra do Vietnã, o assassinato de John Kennedy, o advento dos hippies, as transformações no comportamento dos jovens. É uma empreitada momunental, muito bem realizada, com ótimos dialógos, direção, fotografia, roteiro de primeira, com excelentes atores - sem contar com as participações especiais - situações cômicas de rolar de rir, mas com momentos de pura poesia, sensibilidade e delicadeza. É bem certo que cada um de nós tenha passado por uma das situações que Kevin experimenta na vida: todos nós já nos apaixonamos desde sempre pela garota do vizinho, já brigamos na escola, já tentamos aprender a dirigir; todos nós tivemos um chato como irmão, um pai durão e coração mole ao mesmo tempo, uma mãe superprotetora e superdedicada, tivemos uma irmã meio rebelde e meio criança; todos nós já passamos pela aventura que é crescer, que é tornar-se adulto, que é abandonar os brinquedos e assumir as responsabilidades e os compromissos. Ou nas palavras do próprio Kevin: "Crescer é sempre difícil, não importa a idade que você tenha".