sábado, 26 de julho de 2008

A LEI É SECA, MAS É A LEI (2)



Charge de Quinho (para o caderno de veículos do "Estado de Minas")

Tem um mito no Brasil que algumas leis "pegam" e que outras "não pegam". Essa pegou. Infelizmente, é necessário muito sofrimento, muita morte, muita mutilação para as pessoas se conscientizarem da arma poderosa para matar que é o automóvel na mão de quem não tem preparo psicológico para dirigir, e ainda por cima está com o equiíbrio químico alterado pelo álcool. Todas as notícias recentes dão conta de que houve uma redução drástica no número dos atendimentos de urgência nos pronto-socorros em todo o país. A redução desses índices revelou que a maioria dos acidentes graves no trânsito é provocada por motoristas embriagados. Em alguns estados, essa redução chegou a mais de 50%, e está sendo comemorada por todos os profissionais de saúde como um fato inédito e salutar. Mas todos nós temos motivos para comemorar, brindar(com água ou refrigerante)uma grande vitória contra os motoristas irresponsáveis que agora, apenas com a ameaça de ser atingidos na parte mais sensível de sua anatomia - o bolso - é que se viram forçados a abandonar seus hábitos, pensando menos em si mesmos e mais no perigo a que submetem aos outros. Há quem aponte o fato de que a redução da venda de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes está provocando um colapso nesse mercado, levando inclusive às demissões. Mas quem diz que quem vai ao bar ou a um restaurante com os amigos ou familiares é obrigado - por imposição cultural ou por qualquer outra razão - a beber, a se embebedar? Alguns estabelecimentos estão oferecendo descontos e vantagens para os sóbrios e outros oferecem até carona para aqueles que optaram deixar o carro em casa. As empresas de gerenciamento de trânsito e de transporte urbano estão reforçando as viagens de ônibus durante a noite e de madrugada, e os táxis estão faturando mais com os clientes bebuns. Não se está combatendo - como muita gente pensa - o direito de você, cidadão, comemorar a vida com as pessoas que você ama tomando mais umas e mais outras - o que se pretende, proibindo que você, cidadão, assuma o volante do seu carro depois dessas "mais umas e mais outras" é evitar que a vida dessas pessoas que você ama - e a vida de quem você nem conhece - seja exposta ao risco.

SER UM ATOR DE MIM MESMO

Se eu fosse ator
Seria farsesco
Um herói romântico e antigo
Seria Romeu ou Narciso
E nunca um vilão
Se eu fosse ator
Seria um bufão
Para a platéia rir do espetáculo ridículo
Seria o palhaço que entraria na gaiola do leão
para ser engraçado.
Seria um ator para fingir o que não sinto
Para ser outra pessoa por um tempo
Representar uma vida diferente em cada palco.

DESVARIO

Falei bobagem:
porque disse o que eu sentia
Justamente quando o recomendado
é mentir
E se pintar com tintas coloridas
Disfarçando o tosco e o feio
de si
Fui ousado
por dizer a verdade
Principalmente num mundo em que
o falso é o verdadeiro
ao contrário e
As aparências não enganam
ao espelho
Fiz besteira de entregar o coração
de contar o segredo
de dar a mão:

Mas não me arrependo.

DARIA UM LIVRO?

Quem sabe se minhas palavras toscas devem ser escritas para muitas pessoas? Será que elas cabem impressas em papel bonito, nas estantes junto com outros livros, ao lado dos poetas e dos cronistas? Ela me diz que eu deveria escrever um livro. Eu não sei se deveria fazer isso. Seria uma entrega voluntária, uma temeridade colocar o meu coração na praça, e à venda. Os escritores de verdade têm essa coragem: tudo o que pensam e sentem viram poesia, prosa, drama e comédia. Será que sou mesmo escritor? E, sobretudo, quanto as minhas emoções, sentimentos e segredos vão custar? é, necessário, porém, perder esse medo de ver as próprias palavras reproduzidas em exemplares iguais. É difícil entrar para esse clube, o dos escritores publicados - não quero dizer dos aclamados e premiados, ou daqueles que só foram reconhecidos pós-morte, quando o reconhecimento já não rende mais dividendos ao autor. Como fazer para imprimir alguns exemplares da minha obra incompleta e inconsistente, como agradar ao "público" e à "crítica"? Já sei que algumas pessoas mais queridas - ou mais generosas - gostam das minhas letras, algumas até acompanharam a evolução da minha escrita e elogiam a minha "qualidade literária". Delas eu já tenho esse reconhecimento e essa recomendação, delas eu já tenho o que um escritor precisa e persegue: ser a voz que lhes fala ao coração,e lhes impressiona a sensibilidade. Preciso de fato ampliar essa rede de condescendentes leitores e "apreciadores"?
Sim, preciso.

terça-feira, 22 de julho de 2008

LEVEZA

Leve, leve...
me leve embora
tão leve quanto o vento
Ou então seja mais breve
ou fique um pouco mais longe.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

TALVEZ UMA CARTA

Cumpra-se o seu papel de mensageira:
Que a distância não me permite vê-la
Só me deixa tocá-la com o pensamento
Leva o meu silêncio embora para ela
Vai e procura onde ela mora agora
Pergunta por ela aos que a conhecem
E ao chegar, deixa que ela leia a mensagem
Não erre o endereço do meu destino
E não se perca no caminho

Este é o trabalho das cartas:
Dizer mais de uma vez o que uma vez foi escrito
Sempre com as mesmas palavras.

ARTE BARROCA

Estas são minhas confusas minúcias:
Concentre sua atenção nos detalhes
E mal disfarçadas sutilezas
Terás assim um quadro do exagero
De cores saturadas e vivas
Eis a tua frente o excesso
O escândalo das emoções incontidas
E a explosão de fogos de artifício
Na noite escurecida
Todo o meu teatro é uma tragicomédia:
Cômica e ridícula.

domingo, 20 de julho de 2008

LENÇÓIS BRANCOS

Meus fantasmas não precisam de exorcismo
Nem de reza, fantasma que é bom e que se preza
é coisa de criança
Fora disso é só um pano branco,
um lençol
Fantasma que é fantasma não gosta de sol
E meu olhar é muito mais que isso
Meus medos são de meia tigela
Meus vilões são só uns canastrões de novela
Não me metem medo algum
Só são ridículos
E meus inimigos - todo mundo tem ao menos um
São todos uns bobos.

A ciência do exagero

Pode ser que eu seja exagerado, sim. Exagerado e egocêntrico, vá lá. Chamei-me de "barroco" pela comparação com esse estilo de arte que prima pela profusão de detalhes, pelo paroxismo das formas e das cores, não raro tendendo para o excesso; sim, sou este excesso, esse extremo, essa confusão de detalhes contraditórios. Sou idiossincrático até o limite, além do razoável, mas no fundo, no fundo, sou uma boa pessoa. Tudo o que eu digo nasce no coração, não espero ser banal e superficial no que digo, dizendo sem pensar e sem considerar. Entretanto, não há cálculo ou fórmula nas minhas palavras, então não há dose: às vezes sai de mim um discurso cheio de palavras, às vezes fico todo em silêncio, porque simplesmente não tenho (ou não me resta) mais o que dizer. Não se diga, pórem, que meu modo de me expressar carece de autenticidade e de valor, que é uma maneira artificial e inventada de falar. Se é a "escrita do coração" não pode deixar de ser visceral como é - o coração nada mais é do que uma víscera - não tem como ser simplemente mais amena e mais banal. Tem que contar a profundidade, não pode pairar docemente na superfície. Tem que não ter pudor ou vergonha de se expor, de se desnudar, às vezes mostrando a feíura sobre a tinta fresca, os bastidores, o esqueleto das formas. É isso não é uma tarefa fácil. Necessária é a coragem, confundida freqüentemente com estupidez; indispensável é desconhecer que existem limites e normas, mesmo as da gramática; é necessário, sobretudo, não conhecer muito bem a seara que se está desbravando, para que a surpresa e o encantamento do novo seja a inspiração, para que o frio no sangue seja o impulso motivador, para que se saiba que há algo de estranho a ser esclarecido e revelado. Se isso é ridículo ou estúpido, eu sou essas duas coisas. Mas é de coração.

--

ESTÁ POR SE DIZER

Não é possível rever o que foi dito:
Não com as mesmas palavras
Recuperar o tempo perdido?
Nem isso...
Não na mesma vida
Então, assim, prossiga
Diga o que for necessário
Fale tudo do teu sentimento
Ainda que a palavra
Tão pequena
Seja levada pelo vento.

I Know the Feeling

Sei muito bem o que você quer dizer com isso:
Também já me apaixonei
Eu também já caí no chão e não me levantei:
Ela não me deu a mão.

Compreendo perfeitamente teu coração –
È que o meu também não tem explicação
Como o teu

Sim, eu sei,
Já tive essa mesma impressão
De que o mundo inteiro sumiu de repente
Sem sequer um convite ou um aviso
Houve uma implosão

Depois, ela acalmou tudo com um sorriso.

A DESCONHECIDA



A DESCONHECIDA (La Sconosciuta), Itália, 2006, 118min
Direção por Giuseppe Tornatore, com Kseniya Rappoport, Michele Placido, Claudia Gerini, Pierfrancesco Favino, Piera Degli Esposti, Clara Dossena, Alessandro Haber; música por Ennio Morricone. Candidato oficial da Itália ao Oscar 2008 - Melhor Filme Estrangeiro. Disponível em DVD.



Quem é Irena? E, acima de tudo, contra quem e porque ela se insurge? Reagir à queda, ao caos, à fúria de todos e de todas as coisas é sua obcessão. Por isso, ela não vê obstáculos à sua busca frenética daquilo que a prende à vida: alguns eventos trágicos - e um tanto mais dos seus próprios erros e escolhas - a desviaram das coisas e das pessoas a quem amava no passado. E no seu caminho, os obstáculos são a família Adacher, ourives ricos para quem trabalha como doméstica. O que ela procura vasculhando os guardados daquela família enquanto não estão em casa, porque ela se esforça tanto para conquistar a confiança e a lealdade da mimada garotinha Tea, filha do casal Adacher? Porque ela se sente perseguida, ameaçada, assombrada por monstros, demônios e fantasmas? Porque ela vigia cada passo dos seus patrões, e mesmo antecipa alguns desses passos, para preparar o terreno de seus estratagemas? Quem é esta mulher, de onde ela veio, que ódio e rancor ela guarda no coração e que deixa transparecer nos seus belos e tristes olhos verdes? Conheça a Desconhecida. Tente se compadecer da sua situação, deixe que ela entre e se apresente para morar e trabalhar em sua casa. Mas tranque bem os seus segredos, se de alguma forma você suspeitar que estes estão relacionados aos dela.

Assista a um trailer no Youtube:

sábado, 19 de julho de 2008

A DESCONHECIDA ÍNTIMA

De repente o céu não era este pintado em um quadro renascentista
E o luar era apenas a luz do sol noturno
Cai na real: a musa do poeta medieval era uma mulher apenas
Não era o sonho diurno do homem comum
Mas uma dentre todas da cidade que não é parecida com nenhuma outra desconhecida
E é original por ser apenas ela
Sem arroubos, sem fetiches, sem novelas
Simples e sincera
Sem pintura
Isenta de artifícios
E indiretas.

PALAVRA DITA

(sobre a arte - ou o artifício - da escrita)

Dizes o que não sentes:
Inventes notícias
Crie metáforas com as linhas
Diga as maiores mentiras com ares
de verdades
Conte histórias apenas acontecidas
na imaginação
Com uma palavra
Ou um palavrão
Cale o que sentes no coração.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A LEI É SECA, MAS É A LEI


(charge de Duke, publicada em "O Tempo")

Toda hora sai alguma notícia sobre um ridículo episódio envolvendo o ato de beber e pegar no volante. São motoristas que mal conseguem se manter de pé, de entabular uma conversação inteligível com o agente os que estão nas ruas por aí, nesse exato momento em que escrevo, noite de sexta-feira, noite de "congestionamento", nos bares, nas lojas de (in)conveniência dos postos de gasolina, onde a galera costuma se reunir para se abastecer de latas e garrafas, além dos tanques dos seus possantes. A lei está sendo criticada até pelos mais renomados juristas, pela sua draconiana impiedade a mínima dose, ao mínimo gole. Mas, ora vejam senhores: quem, dentre os que apreciam a "água que passarinho não bebe", a "loira gelada" fica apenas no primeiro gole, se contenta com uma única dose? Se é indíce de "macheza" beber mais do que os outros, se o álcool generosamente distribuído e consumido em larga escala "faz parte" das reuniões sociais, das festinhas da turma, das baladas com a galera, da happy-hour com os colegas do escritório? A Lei, por mais rigída que seja, é sábia em proibir que se dê liberdade a um cidadão de ignorar que seus próprios limites e direitos, o subjetivismo de sua ação, possam ser mais legítimos que os da coletividade. Portanto, a lei seca ora em vigor é como educar uma criança mal-criada lhe retirando o brinquedo preferido: para que ela aprenda a usá-lo sem quebrar, sem machucar o coleguinha. A lei é seca, porque diz com todas as letras, sem margens a interpretações, que é pribido beber e logo depois sair de carro para arriscar a própria vida, e colocar a vida de todos em risco.

ALTAMENTE RECOMENDÁVEL

BH - A CIDADE DE CADA UM

Esta coleção é para quem gosta de verdade de Belo Horizonte, esta cidadezinha gigantesca, este arraial cosmopolita em que vivo todas as minhas "aventuras e desventuras". "BH - a cidade de cada um" reúne, em 15 volumes, histórias, relatos, memórias, "causos" da cidade, pela mão de gente como o contista Wander Piroli (no volume "Lagoinha"), o compositor Fernando Brant (que assina o volume "Mercado Central"), o jornalista esportivo Jairo Anatólio Lima ("Estádio Independência") o arquiteto Flávio Carsalade (autor de "Pampulha"). É como se fosse uma agradável conversa na varanda, uma prosa boa sobre as coisas peculiares da nossa capital, mais a memória afetiva do que o rigor histórico, mais o folclore sobre os fatos do que a versão oficial. É uma delícia de leitura, eu garanto. visite o site do projeto em http://www.bhdecadaum.com.br.
Os livros estão á venda "nas melhores livrarias" pelo preço médio de R$15,00 cada.
EPPUR SI MUOVE*


"Não", é o que direi se perguntarem sobre o nosso caso
Em voz alta a tudo negarei
Mas no fundo do coração calarei
Os verdadeiros motivos


*"Eppur si muove" ("No entanto, [a Terra] se move") é o que teria murmurado Galileu Galilei (1564-1642), após rejeitar publicamente, diante de um tribunal da Inquisição em Roma, em 1633, a sua convicção de que a Terra gira em torno do Sol.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

THE WAY AHEAD

O rio de peixes metálicos que segue à minha frente e
Que leva tudo embora rapidamente
e de repente desemboca no centro da cidade
A corrente de bichos elétricos, de monstros mecânicos, que corre do presente
Como se buscasse o fim dos tempos
num instante pára tudo o que acontece
Para simplesmente deixar passar um bando de gente.
Todas as máquinas reluzentes que seguem o curso da avenida
Levam histórias, metades, mensagens
Levam todas as vidas para o distante e
Trazem à tona uma multidão de cidades que correm no sangue
De todo vivente.
O FUNDO DO MAR

Tu sabes em que paradeiro ficaste: no passado distante
Numa cidade sem habitantes dentro do meu peito
Tu sabes que todos se distanciaram quando me deixaste
Como se todos os automóveis partissem em uma só viagem
Levando toda a gente
Tu sabes que o vazio que restou me preenche
Como a cidade engolida pelo mar
Na profundeza de tudo o que ficou ainda está um rei louco
A governar os peixes.

PUBLICIDADE RUIM

Olha só: eu não queria usar esse espaço, que deveria ser mais para eu falar de coisas boas e bonitas de que gosto, para reclamar e dar vazão às minhas ranzinzices. Até porque ultimamente eu não tenha sido tão ranzinza como de costume. Tenho estado até feliz e satisfeito como minha vidinha mais ou menos (mais para mais, graças a Deus). Mas eu não poderia deixar de comentar aqui algo que me irritou profundamente dia desses na televisão: o filme de uma operadora famosa de banda larga - não vou citar o nome. No comercial, o cara está num parque público falando das vantagens de um determinado plano de banda larga, de não sei quantos mega e tal e coisa, enquanto pessoas passeiam tranqüilamente no parque. No final, o apresentador anuncia: "Que caia um raio na minha cabeça se eu estiver mentindo". Nesse mesmo instante, cai mesmo um raio, só que não na cabeça do sujeito, mas de um ciclista lá atrás. Só se vê depois uma mancha preta no chão e os destroços da bicicleta. Ora veja: é preciso de tamanho mau gosto para anunciar um produto, é preciso ser nojento e asqueroso para promover um serviço ou uma mercadoria, para destacar-se num mercado de novidades iguais a preços populares? É necessário ser apelativo para ser pretensamente engraçado e "irreverente", para chamar a atenção do público alvo/consumidor/cliente? Não. O consumidor/cliente/público não precisa dessas aberrações. É possível apresentar um produto ou serviço sem recorrer à toda essa baixaria, toda essa falta de inteligência e de criatividade. Outro exemplo chocante, por falar em publicidade apelativa, é a campanha do Novo Gol que está no ar, com Giselle Bundchen e o brutamontes Sylvester Stallone. Num dos filmes, Stallone está, ao que parece, fugindo do assédio da imprensa no seu possante não-sei-quantos-ponto-zero Novo Gol, como se fosse um criminoso fugindo da polícia. Aí vale tudo: andar na contramão numa ponte, dar "cavalos-de-pau", ir a toda velocidade fechando os outros carros...num tempo em que tanta gente mata e morre no trânsito das nossas metrópoles, o filme do Novo Gol não deixa de ser um "ótimo" exemplo.