domingo, 16 de outubro de 2011

SANTA EFIGÊNIA A SAVASSI

Deu no jornal que, em São Paulo, mais de 80% dos cobradores de ônibus são casados com passageiras. Esses relacionamentos costumam começar nas longas viagens que, não raro, chegam a durar horas entre os bairros de uma cidade tão grande. Eu bem que conheço uma história parecida com essas, não em São Paulo, mas aqui mesmo em  Belo Horizonte. Todo dia, eu tenho que pegar um ônibus perto de casa, em Santa Efigênia, para ir para o trabalho, no Buritis, do outro lado da cidade. O percurso dura pouco menos de uma hora - isso quando o trânsito está bom. Numa das primeiras paradas, na rua Niquelina, todo dia e quase no mesmo horário, sobe uma moça. Deve estudar enfermagem, porque está sempre de branco e leva consigo uma bolsa que parece pesada pelos livros. Numa bolsa menor, tipo uma necessaire, ela leva, provavelmente, o almoço. O primeiro que a nota, antes de mim, é o cobrador (aqui em Belo Horizonte eles o chamam de "agente de bordo"). Mas ele é bem tímido, repara-se que ele baixa os olhos ao vê-la. Com os outros passageiros (e passageiras) ele também é bastante reservado. Agradece a todos, cumprimenta-os, entrega o troco, dá uma ou outra informação sobre o percurso, tudo em voz baixa, muito educada, muito gentil. O restante do tempo ele viaja calado, cuidando dos formulários da viagem, anotando os números da catraca, conferindo o dinheiro. Mas de vez em quando ele (ninguém percebe) olha de soslaio para a moça de branco, que vai geralmente sentada dois ou três bancos distante dele, isso quando dá pra ir sentada. Eu noto que ela percebe que está sendo observada, cortejada pelos olhos do cobrador. Sei também que ela deve ser tão tímida quanto o rapaz, porque lhe flagro um certo rubor na face, mas um brilho nos olhos que ela tenta disfarçar voltando às páginas dos livros de anatomia e de fisiologia humana. É assim todo dia da Niquelina até a Savassi, onde ela desembarca. Nem seria preciso dizer que o cobrador acompanha com o olhar a moça descer do coletivo, até que ela some no meio da multidão na rua. Eu fico imaginando porque esses dois não se resolvem de vez. Se é ele que tem que tomar uma atitude, amanhã ou depois ele podia, como faz com os outros passageiros, cumprimentá-la também, dizer bom-dia, boa viagem e "obrigado por viajar conosco" (é o que o pessoal de RH da empresa deve mandar os empregados dizerem), oferecer-se para levar a bolsa dela quando o ônibus estiver cheio. Daí, ele podia falar do calor, da chuva que não chove a meses, dos livros de anatomia e fisiologia humanas, contar a ela que uma tia distante sofre disso ou daquilo e perguntar à enfermeira - técnica de enfermagem, ela corrige - qual é o remédio. E, enquanto os dias passassem, até que ela se formasse no curso de enfermagem, os dois ficariam juntos - ele, talvez não mais cobrador ou agente de bordo, ela agora não mais subindo na Niquelina e descendo na Savassi, mas talvez com os dois filhos, um menino e uma menina, que se ficassem gripados, a mamãe saberia qual é o remédio. E, se precisassem ir a algum lugar, papai saberia qual o ônibus.

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