quinta-feira, 26 de maio de 2011

ESTA É A CIDADE

Um senhor anda apressado, trajando terno escuro e com a pasta executiva, provavelmente está atrasado para alguma reunião; a moça de branco vai daqui a pouco aprender mais alguma coisa sobre os ossos do corpo humano; o homem de amarelo e azul olha o envelope colorido e procura nas fachadas dos edifícios o número do destinatário; o rapaz de uniforme apita estridente e agita freneticamente os braços, apressando o movimento dos carros; a mãe ralha com o menino que teima em olhar para a vitrine da loja de brinquedos; ela tem pressa, pode perder o ônibus, e o outro só daqui a sei lá quanto tempo; um rapaz de banho tomado e camisa nova olha para a direita e para a esquerda, espera alguém que já se demora, parece; deve ser uma mulher, talvez um outro rapaz; ele olha para o relógio e franze a testa; um menino esfarrapado e sujo, o nariz escorrendo, estende a mão pequenina e com sua pequenina voz pede uma moeda, mas na verdade o que ele quer mesmo talvez seja um pouco de carinho e de atenção. Esta é a cidade. Casais de namorados de mãos dadas perambulam bobos pelo parque, naquele doce alheamento sobre o futuro de sua relação, quando a tendência é mais dia menos dia tudo terminar numa tola discussão na porta do cinema sobre que-filme-vamos-ver; uma senhorinha de uniforme laranja arrasta a vassoura de piaçava pela calçada, no mesmo instante em que uma garota de óculos escuros, i-pod e tênis all-star acaba de lançar o papel do chicletes que masca displicente; um carro importado sem cerimônia estaciona na faixa de pedestre; a dona de bengala e bíblia olha conformada a rua por onde então terá que passar, isso se os sacos de lixo deixarem; um mendigo parado com uma expressão abobalhada, diante do cartaz de uma seminua musa de cerveja; um operário abraça a namorada num canto escuro da calçada; uma melodia tristonha sai do rádio de um cego que pede esmola e um menino oferece, numa bandeja de doces, o sabor da vida. Enquanto isso, os cartazes anunciam a felicidade a preços populares para o rebanho triste que anda em fila indo para casa. Esta é a cidade. Uma sirene pede passagem ao tráfego intenso; alguém está morrendo nesse instante atado aos tubos de oxigênio ou ao aparelho desfibrilador. Na outra esquina, alguma criança com corpo de moça vende a ilusão de um amor que não sente, de um prazer que nunca experimentou a quem tem pouco dinheiro para comprá-lo. Esta é a cidade.

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