domingo, 22 de maio de 2011

O SEGUNDO SINAL

Já fui lá fora mais de não sei quantas vezes. Olhei a rua de um lado e de outro, e mais de uma vez vi uma garota morena de cabelos curtos, de vestido indiano e bolsa de crochê. Mas não era você. O relógio está marcando 20:55, e o espetáculo do Galpão está marcado para as 21. Estamos no horário de verão. Começou hoje. Adiantar o relógio em uma hora. Tanto que quando eram seis da tarde - a hora em que eu cheguei aqui - ainda estava dia claro. Cheguei tão cedo porque queria ser o primeiro a chegar, os lugares não estão marcados, e eu ia ficar de plantão na porta do teatro para pegar a primeira, no máximo a segunda fila. Gosto de ficar bem perto do palco, ouvir o ruído dos passos dos atores sobre o piso de madeira, notar detalhes mínimos do espetáculo, prestar atenção em tudo. E o mais ainda era ter a expectativa de ver você aparecer lá longe na rua, vir se aproximando de mim, me reconhecer no meio do povo, como se estivesse ali só por minha causa. Você iria me dar um abraço, um beijo no rosto. Então nós iríamos nos atualizar sobre nossas novidades, você iria me contar sobre as agruras de se formar, sobre os problemas na sua casa, sobre os amigos comuns que sumiram, sobre o que você anda lendo. Eu ia falar sobre a chatice do meu emprego, sobre a minha filha, sobre eu ter mudado de casa outra vez em menos de um ano. Enquanto esperássemos pelo início da peça, tomaríamos uma xícara de capuccino na cafeteria do teatro -está fazendo frio - e ficaríamos zapeando as prateleiras da livraria. Mas já são 21h, o primeiro sinal já tocou, e você que não chega. Passa pela minha cabeça, e aperta o meu coração, a possibilidade de você não vir, me dar um "bolo" como daquela vez ano passado. Depois você se justificou dizendo que era por "coisas de mulher", essas coisas de todo mês. Eu disse que tinha entendido, que "tudo bem", mas assisti o espetáculo sozinho, com um gosto amargo na boca; fiquei um tempo triste e aborrecido, mas depois que você apareceu lá na faculdade - como se não tivesse desaparecido - e eu esqueci tudo no mesmo instante em que te vi de novo. 21:02. A platéia lotada já, casais juntos, famílias inteiras na mesma fila, todos ansiosos e alegres, bem arrumados para a ocasião. E eu na porta do teatro ainda, olhando para a esquerda e para a direita, vendo você em todas as moças que passam, mas nenhuma delas é você. Nem precisa mais da bolsa de crochê, nem do vestido indiano, nem dos cabelos curtos. Não precisa nem mesmo ser morena, confundo todas com aquela a quem espero ansiosamente, a única que me interessa em toda a cidade. A única que eu amo. 21:05. Segundo sinal. Ah, não, de novo, não!
Então, de repente, lá no Mercado das Flores, uns cento e tantos metros de onde eu estou, aponta uma garota de vestido indiano, cabelos curtos e bolsa de crochê. Morena. É ela! Em cima da hora! Os passos apressados dizem que ela está ansiosa também, que veio quase correndo pelas ruas desde o ponto em que ela desceu do ônibus dela. Quando me vê, aflito, sorri: "Desculpa. Esqueci do horário de verão".

Um comentário:

  1. O conto vinha assim como quem ou o que não tinha nada a dizer, a não ser um fato comum vivido por qualquer um casal: o atraso do outro. Ai, e nisso está a arte, quebra-se o destino pessimista e já quase "amargo" do desfecho solitário, com a reconstrução da expectativa. O horário de verão se acaba, parecendo oferecer a Cupido o realinhamento de suas armas: e no eclipse do abraço e do beijo tímido no rosto, em frente a porta do teatro, dar-se-á a certeira flexada. Primeiro toque...

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