quinta-feira, 17 de maio de 2012

SAVASSI




- Você está atrasada.
- Tava me esperando a muito tempo?
- Não muito, só uns seis anos e algumas horas...
- Você mudou... o que houve com seu cabelo?
- É a idade, né? Já entrei na fase dos "enta". Talvez eu nunca mais saia dela.
(Ela dá uma deliciosa gargalhada, igual aquelas de seis anos atrás; e as piadas ruins como essa não mudaram nada)
- Recebi o convite da formatura. Desculpa não ter ido.
- Tudo bem. Tava chato mesmo...Ah, eu soube do seu pai. Sinto muito.
- Pois é..."parou de sofrer", como se diz.
- Você casou, não foi?
- Descasei. Dois anos.
- O que aconteceu?
- Ah, sei lá...ela é muito sistemática; boa pessoa e tal, mas muito sistemática. Somos amigos. Mas não tem mais amor, não. E você mais o Otávio... não é esse mesmo o nome dele?
- Otacílio. Ele foi fazer aquele doutorado na Alemanha. Não voltou mais. Foi melhor assim.
- Ah, parabéns pelo seu livro. Soube que ele ganhou aquele prêmio lá,como é mesmo que chama?
- Pois é. Eu estou usando ele na Pós. Dou aula lá. Não é grande coisa, mas o salário é até razoável. Estou pensando em ir pra fora também. Talvez Buenos Aires, La Plata... tem um pessoal da época do intercâmbio. Tenho onde ficar se eu for.
- Lembro que como você estava na época que estava escrevendo sua dissertação.
- Pois é, era tenso mesmo. Mas valeu. E você, lá na prefeitura? O projeto de leitura, como tá?
- Então, mudou o prefeito, muda a secretário. A coisa empacou. Sabe como são esses políticos...Toma um café?
- Sim, aceito.
- Preto, com adoçante. Tá vendo com eu ainda me lembro? Seis gotas de adoçante.
- É. Seis gotas de adoçante.
- Você guardou aquela carta?
- Qual? A primeira?
- Não. A terceira. A do dia do Noites Brancas. Quando eu penso nela, era bem piegas, né?
- Éramos mais jovens...você está perdoado. Eu achei bonito aquela coisa de "braços, portas e coração abertos".
- Pois é...
- Pois é...
(algum silêncio depois, ele olha pra ela, ela olha pra ele. Meio que constrangidos por estarem frente a frente depois de tanto tempo, quase sem ter mais o que dizer, todos os assuntos triviais já acabaram...salvos pelo garçom e duas xícaras de café)
- Escuta? Porque você não atendeu o telefone aquele dia? Você tava em casa sim, que eu sei. Sua mãe me atendeu, aquela história de reunião não colou. Até porque eu liguei pra escola, ninguém te viu lá.
- Você está com raiva disso até hoje, meu caro?
- Não. Não é raiva, não. Só quis saber porque você tava me evitando.
- Eu tava meio confusa com aquela história toda. Afinal, não é todo dia que você recebe uma declaração de amor do seu melhor amigo.
- Podia ter sido diferente, eu acho. Se a gente tivesse se falado depois, eu teria te explicado tudo. - Faz tanto tempo, porque a gente está falando nisso até agora? ...passou, não passou?
- É. Acho que sim. Desculpe. É que a gente nunca falou sobre isso. Até agora. Você sumiu. E só. Até hoje eu me pergunto o que foi que eu fiz.
- É, meu caro, eu também te peço desculpas. Devo ter te magoado bastante naquela época. Eu não devia ter simplesmente sumido daquele jeito. Mas agora não é hora de ficarmos remoendo as velhas mágoas, não é mesmo?
- É...
- Aqui, acho que está na hora de ir. O avião...
- É mesmo, o avião.Fica muito tempo lá?
- Nada. Só dois dias.
- Será que a gente vai ser ver de novo? Ou vamos ficar mais seis anos longe um dos outro?
- Escreve pra mim. Você tem meu email ainda, não tem?
- Claro. Todos eles. (Ela ri de novo. Mas agora está séria).
- Preciso ir. Bom te ver.
- É. Também gostei de te ver.
- Até mais.
- Até mais.
E desapareceu na esquina.

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