sábado, 23 de agosto de 2008

CARTA AO AMIGO JOÃO*

Meu caro amigo João. Agora que seus olhos são de outra pessoa, não sei dizer se talvez eles olhem o mundo como você olhava até quarta-feira passada. Não vou julgar o seu ato desesperado de fechar de vez os olhos ao mundo, aquele mundo transtornado em que você viveu até quarta-feira. Aquele mundo que te olhava com desprezo, aqueles olhos verdes que não lhe devolviam o olhar terno e apaixonado com que você a olhava. Lembro-me bem como você parecia sereno naquele dia. Não vi - não olhei direito - que alguma coisa estranha estava por acontecer: você soube muito bem esconder a aflição que sentia. Quando te vi pela última vez, meu caro amigo, você sorriu, mas não aquele sorriso de quem está de bem com a vida, aquele sorriso que mostra os dentes -escovados com cuidado minutos antes do acontecido - mas um sorriso quase conformado, um sorriso de quem se despede sem saber se volta, sem ter certeza se quer mesmo ir. Um sorriso triste. Não vou julgar -já te disse isso - a sua motivação, não tenho o direito de questionar os seus sentimentos, condená-lo por seu ato extremo mais do que os outros já te condenaram, mais do que aqueles que o julgaram sem conhecê-lo direito, sem conhecer suas motivações, sem respeitar os seus sentimentos. Não sou juiz, nem advogado, nem especialista em matéria das motivações humanas. Eu sou seu amigo e - apesar de não entender o seu propósito de ir embora assim tão de repente e de deixar os mais próximos um tanto quanto aturdidos e perplexos - posso apenas agora desejar que, seja para onde você tenha ido, que a vida (se existir vida nesse lugar para onde você foi)seja melhor que a deste mundo. Que lá não existam olhares de reprovação e de condenação, que não existam olhos verdes e peles claras para te atormentar e humilhar, que lá você encontre a paz. Vá com Deus.

* O ex-estudante universitário João Luciano Ferreira Jr, 39, paraplégico em razão de um acidente, invadiu na quarta-feira passada (20/08) uma sala de aula da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, na região da Pampulha, em Belo Horizonte e manteve a professora Polyana Arantes, 25, sob a mira de um revólver calibre 32. Após exigir a saída dos alunos, João, que era apaixonado por Polyana, deu dois tiros contra a professora, sem acertar. Logo depois, ele atirou em si mesmo. João morreu dois dias depois em um hospital da cidade. A família autorizou a doação das córneas do rapaz.

2 comentários:

  1. Triste cara. Não sabia dessa notícia (ando desligado de noticiários, infelizmente), mas como você disse na carta (expressando muita veracidade e sentimento, por sinal) não cabe a ninguém aqui julgar ou não o que ele fez. Simplesmente aconteceu...


    Abraço.

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  2. Ah Olavo... lindo... e tão triste ao mesmo tempo...

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