(publicado no Blog dos 110 anos de Belo Horizonte, do UAI- Estado de Minas, Belo Horizonte, em 12 de dezembro de 2007)
O coração já vinha acelerado desde o Mercado Central. A rosa vermelha nas mãos, os olhos brilhando, uma vontade de ganhar asas e chegar logo. Contorno com Célio de Castro. Ela tinha combinado para as 6, 6 e meia da tarde em frente ao Champion. Noites Brancas no Teatro Alterosa, com a Débora Fallabela e o Luiz Arthur. Chego bem antes de seis. Como sei que ela só chega na hora marcada (ela não costuma atrasar), resolvo caminhar pelas redondezas. Rua Jacuí, Rua Itajubá, Praça Negrão de Lima. O outono mostra-se todo nas copas dos ipês, cujos galhos amarelos se enroscam nas sensuais volutas dos centenários edifícios neoclássicos; a pressa indiferente dos transeuntes, poucos param para ver a criança que pede com os olhos uma moeda, sabe-se lá se é realmente para comer; "olho a cidade ao redor, e nada me interessa": a canção de Ana Carolina me toca os ouvidos como a brisa serena do início da noite. E é verdade. Tudo o que me interessa é uma moça, de todas as moças da cidade, a única que eu espero chegar. Como Minas não tem mar, não é a Garota de Ipanema, mas quando ela passa, quando ela vem, também aqui "o mundo inteiro se enche de graça, e fica mais lindo". Aí de repente, como sempre repentina, como toda a surpresa, ela aparece. Na hora. Mas é cedo ainda, não precisamos ter pressa. Podemos os dois ir tranqüilos, o teatro é perto, na Assis Chateaubriand; podemos caminhar conversando sobre as nossas mais recentes novidades, trocando idéias sobre os próximos dias, correspondendo nossas expectativas sobre as coisas do mundo. E meu olhar pode sem se acanhar admirar como é linda essa moça, como ela sorri e ilumina o início da noite de Belo Horizonte. Os arcos do Viaduto Santa Tereza assomam à distância. O arvoredo do Parque Municipal, a linha do horizonte por trás dos edifícios do Centro já se mostra cor-de-fogo, o sol já vai descansar. Estamos os dois chegando ao Alterosa. Uma pequena multidão se aglomera diante da porta, todos esperam a peça começar. Débora Fallabela e Luiz Arthur se transformam na menina Nástenka e no Sonhador Sem Nome. No palco, uma história de amor. O Sonhador encontra na ponte do Nieva, em São Petersburgo, aquela que em quatro dias amará, para depois vê-la partir nos braços de um Outro Qualquer. Belo Horizonte podia ser a então capital russa do século XIX. Eu seria o sonhador e ela, a Nastenka em meu coração. Eu também viveria o meu "minuto de felicidade" e também bastaria para "preencher a minha vida". Foi o que mais tarde aconteceu. Eu disse tudo. Assim como o Sonhador, eu sonhei em voz alta e deixei que ela ouvisse o meu sonho, deixei que ela soubesse que o personagem do romance era eu. A Rua da Bahia, no La Greppia, me pareceu uma das vielas da cidade russa com suas tabernas; ela se assustou tanto com a novidade já suspeitada quanto a personagem do conto de Dostoievski; mas ela já sabia, já percebia, já sentia que eu não era só aquele rapaz estranho na vida dela, aquele que eu mostrava e o que se escondia em mim. Mas era tarde e eu morava longe. Tínhamos que ir embora. Ela para o Bairro da Graça e eu para o outro lado da cidade. Me deixou na Paraná e foi. Eu não notei a cidade já com todas as lojas fechadas, a não ser pelos bares apinhados de gente querendo beber alguma coisa para encontrar alguma felicidade perdida. E não notei também um rascunho de lágrima que se desenhava no meu rosto. Eu disse adeus e fui andando. Só. No meio da cidade, agora totalmente desconhecida. Sem as luzes que ela trazia nas mãos; apenas uma claridade pálida, uma sombra em cada esquina, agora ameaças de um perigo. Diz-se que nas noites brancas européias o sol não se põe: que uma espécie de manto nevado recobre as ruas e as casas, manto leitoso, véu diáfano. Deixa tudo com a impressão de um filme antigo, de um conto romanesco do século XIX, quando todo romantismo ainda não era demodé. Foi assim na noite de 19 de junho de 20...em Belo Horizonte. Pelo menos enquanto a aventura romântica durou, até que ela, do mesmo jeito repentino com que apareceu, dobrou uma esquina, a última antes de desaparecer dos meus olhos e ir morar em meu coração. Um minuto inteiro de felicidade.
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